domingo, 21 de dezembro de 2014
Melhores discos de 2014 - Top 35 gringos
Pra se juntar aos 65 discos brasileiros de 2014, a lista gringa tem 35 nomes, formando um conjunto de 100 discos essenciais do ano. Check it:
1 - Swans - To Be Kind
2 - Run The Jewels - RTJ2
3 - Liars - Mess
4 - Sharon Van Etten - Are We There
5 -Freddie Gibbs & Madlib - Piñata
6 - Taylor Swift - 1989
7- Aphex Twin - Syro
8 - Behemoth - The Satanist
9 - Spoon - They Want My Soul
10 - Ratking - So It Goes
11 - Off! - Wasted Years
12 - Wu Tang Clan - A Better Tomorrow
13 - Schoolboy Q - Oxymoron
14 - D'Angelo and The Vanguard- Black Messiah
15 - Ty Segall - Manipulator
16 - Katy B - Little Red
17 - Pharoahe Monch - PTSD
18 - TV On The Radio - Seeds
19 - Chuck Ragan - Till Midnight
20 - Lana Del Rey - Ultraviolence
21 - Woods Of Desolation - As The Stars
22 - Chain and The Gang - Minimum Rock'N'Roll
23 - St. Vincent - St. Vincent
24 - Neneh Cherry - Blank Project
25 - Against Me! - Transgender Dysphoria Blues
26 - Mogwai - Rave Tapes
27 - Charli XCX - Sucker
28 - Lykke Li - I Never Learn
29 - Iceage - Plowing Into The Fields of Love
30 - Shellac - Dude Incredible
31 - Chumped - Teenage Retirement
32 - Flying Lotus - You're Dead
33 - Perfume Genius - Too Bright
34 - Gazelle Twin - Unflesh
35 - Caribou - Our Love
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Porque Cores e Valores do Racionais é o disco do ano
Escola pública do interior há vinte anos atrás era aquela coisa: tinha o pessoal da periferia, tinha os classe média (eu me incluía nessa categoria) e tinha os boys, uns burguesinhos cujos pais deixavam de pagar um ou dois anos de ensino privado para fazer aquela viagem pra Miami. Música só na base da fita cassete ou do cd, e pra ter o que conversar, em geral, precisava curtir rock de fm. Mas em meados de 1992 um amigo não parava de cantar Fim de Semana no Parque e falar sobre um tal de Mano Brown. Aquilo era uma realidade pra ele, negro e pobre, mas esquisito pra nós. Rap era só gringo e branco, ou mesclado com rock. Racionais era só uma abstração qualquer, "música de mano". Sim, a ignorância era tremenda.
Mas tinha algo de fascinante na maneira em que o universo versado pela banda pegava forte com a molecada da periferia. "Que porra é essa?" Resolvi pedir uma gravação em cassete pra esse meu amigo. Era Raio-X do Brasil. Foi o primeiro disco de rap nacional que eu ouvi inteiro, e aos poucos passei a curtir: não era apenas a música, mas o fato de ouvir uma banda que parecia "perigosa", diferente do ambiente branco do rock grunge. Pra um moleque de catorze anos, era impressionante: uma banda que falava sobre coisas com as quais tinha contato, de uma forma poderosa, com um som fera (e incomum, pra quem ouvia mais guitarras). E eram caras que pareciam brotar do underground, com um tipo de imagem que eu não via correspondente no Brasil: só as bandas punk gringas (só fui conhecer o Cólera mais tarde) tinham aquele ar ameaçador. No entanto, Racionais era brasileiro, contemporâneo e real.
Pulando vinte e poucos anos pra frente: a gurizada hoje está exposta a centenas de milhares de sons, de todos os gêneros. Eles compõem sua preferência musical de forma não linear: música é acessível, e barreiras de gênero são exterminadas. Nesse contexto, o rap deixa de ser tão estranho e segregado. Racionais é, para o bem ou para o mal, mito e história.
Lançar um disco com doze anos de janela gera uma expectativa monstra no público, ávido e acostumado com a rapidez de lançamentos na internet. E Cores e Valores, diante de um ambiente mais receptivo ao hip hop, poderia ser apenas mais um lançamento de peso, para um público mais heterogêneo. Um trabalho devidamente bajulado pelos deslumbrados que não enganam e ainda vêem o grupo como um elemento pouco familiar. No balanço das coisas, apenas um disco de rap nacional de uma banda importante. Poderia, mas não é. Cores e Valores representa uma imersão tão profunda nas feridas sociais quanto Raio-X do Brasil ou Nada Como um Dia...,assim como uma forma de se posicionar naturalmente como cronistas do cotidiano atual. Musicalmente, é atual e audacioso.
Não há espaço para repetições de fórmula, ao contrário: das batidas ao approach das levadas, das letras sintetizadas ao estilo de produção, Cores e Valores apresenta um rap contemporâneo. Não é uma tentativa de se apropriar da linguagem dos rappers mais jovens, ou uma tentativa de falar mais diretamente com um público menos maduro. Quando KL Jay convida outros produtores pra fazer os beats, está buscando inspiração e evolução; quando Mano Brown dispara versos curtos como rajadas nas primeiras canções, está recalibrando sua dialética; quando Edi Rock elabora memórias ficcionais ou reais, está exercitando sua experiência; Ice Blue soa mais rascante do que nunca, botando banca sobre qualquer assunto.
O resultado dessa força de expressão artística é exatamente um disco sem gorduras, duro e real, aberto a dialogar com o público seja no arranhar do trap, seja ao propor canções curtas como suítes emendadas, sem respiro. Velhos brincando de ameaçadores? Não, apenas um grupo se preocupando em manter sua contemporaneidade ao lançar mão daquilo que já sabem, e daquilo que ainda podem aprender. O Brasil de 2014 não é nem de longe o de 1992. Mas isso não diminui o olhar crítico, o mal estar com a violência policial ou com os arrombados desrespeitosos. Cabem e convivem beats soturnos, um Cassiano remendado, um Roy Ayers sampleado, trap.
"Pelas marginais os pretos agem como reis/Gostar de nós tanto faz tanto fez/Me degradar pra agradar vocês (nunca)" Mano Brown dá a letra logo na primeira faixa. Entre "Vamos fugir desse lugar, baby.../Eu posso ser seu escudo" em Eu Te Proponho, a última música, temos o consumo e a relação de pertencimento social de Eu Compro, dois grandes momentos de Edi Rock, (a crônica gangsta de A Escolha Que Eu Fiz e o relato dos acontecimentos da Virada Cultural de 2007 em A Praça), a afirmação negra de Você Me Deve ("Nova era/os preto tem que chegar"). É bastante coisa, disparada sem perder uma boa essência. Ao contrário, é exatamente essa veloz construção de ideias que impressiona e dá alma ao disco.
Cores e Valores é atordoante. Em 2014, nenhum outro disco brasileiro foi capaz de intoxicar o ouvinte com suas letras ou seu ambiente pesado. Com sua música sinuosa, feroz e dinâmica. A sensação é que o rap praticado no disco ainda é desconfortável pra maioria daqueles que agora o cobrem de elogios, mas no fundo preferem manter distância segura. Por mais que ganhem espaço, que recebam glórias, quem pratica o rap sabe que nunca será aceito plenamente. Mais do que um resmungo juvenil de não aceitação, essa realidade inflama a criação, e mantém a guarda elevada. Ainda é música de excluído. O Racionais entende essa realidade, e a desmembra em pouco mais de trinta minutos de tensão. Continuam sendo perigosos e ameaçadores, uma vitória em uma época de relativizações e cinismo perenes.
sábado, 6 de dezembro de 2014
Ogi retorna com "Trindade"
E o Ogi retornou com vídeo para o som novíssimo Trindade (Parte 2). Um dos trampos mais aguardados de 2015 é o sucessor do clássico Crônicas da Cidade Cinza, e o vídeo dá pista de que Rá (título do novo disco) será mais uma pedrada.
Com beats do produtor Nave, que manteve aqui a pegada sujona do trampo anterior do MC, Ogi volta a encarnar diversos personagens em uma trama urbana. A sucessão de versos entonados da perspectiva de tipos humanos variados em gênero e atitude não embolam a narrativa, apenas a tornam mais rica. Ogi mais uma vez cria cenários sendo não apenas um expectador, mas parte viva das tramas, ao mesmo tempo realçando a ação das personagens e a condução da estória. É como se os detalhes fragmentados conjuntamente formassem o escopo total da obra, e o ouvinte só percebe isso quando já está totalmente impregnado pela crônica.
Essa é parte 2 da trilogia que só vai ser totalmente desvendada nos próximos meses. A animação que acompanha a música é espertíssima, mantendo o espírito debochado. Ficou por conta da Casa Sinlogo.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Melhores discos brasileiros de 2014 - Top 65
Um ano que oferece novos discos de Racionais e Criolo não pode ser ruim. E 2014 ofereceu muito mais, num leque que abrange diversos gêneros diferentes. Até alocamos quinze posições adicionais na lista para embarcar discos que merecem a sua audição. Do experimental ao rock, do rap ao hardcore, da eletrônica ao samba. Eis um apanhado do melhor da música brasileira no ano:
- Racionais MCs – Cores & Valores review
- Juçara Marçal – Encarnado review
- Hierofante Púrpura - A Sutil Arte... review
- Criolo - Convoque Seu Buda review
- Silva – Vista Pro Mar
- Holger – Holger
- Lurdez da Luz – Gana Pelo Bang
- Russo Passapusso – Paraíso da Miragem
- Banda do Mar – Banda do Mar
- Motim – Motim mixtape
- Inquérito – Corpo e Alma
- Tuty – O.H.Q.C.F. EP
- Séculos Apaixonados – Roupa Linda, Figura Fantasmagórica
- Tiê – Esmeraldas review
- Lucas Santtana – Sobre Noites e Dias
- Rashid e Kamau – Seis Sons EP
- Sono TWS – Mocado
- BellaDonna – A Flor da Pele
- ruido/mm – Rasura
- Testemolde – Testemolde
- Projetonave feat. CESRV – Mixtape
- Moita – Delírio Lógico
- Gasper – A Cor do Futuro
- Ratos de Porão – Século Sinistro
- Natália Matos – Natália Matos review
- Alessandra Leão – Pedra de Sal EP
- Castelan – Uma Data
- Rincon Sapiência – Sp Gueto Br EP
- Cadu Tenório – Vozes
- Leandro Lehart – Sambadelik
- Costa Gold – Posfácio
- Huey – Ace
- O Satânico Dr Mao e os Espiões Secretos – Contra os Coxinhas...
- Pearl Negras – Nossa Gang
- M. Takara – Mundotigre
- Rael – Diversoficando EP
- Amiri – Antes e Depois
- Kovtun – Sleepwalkin Land
- Jupiterian – Archaic EP
- Aurora – Aurora
- Fillipe Queiroz – Sinergia EP
- Lupe de Lupe – Quarup
- Adriano Cintra – Animal
- Saulo Duarte – Quente
- Tom Zé – Vira Lata na Via Láctea
- Wzy – Meu Ponto de Vista
- Thiago Pethit – Rock’n’Roll Sugar Darling
- Graveola – Vozes Invisíveis
- Xará – Nós Somos a Crise
- Carne Doce – Carne Doce
- Camera – Mountain Tops
- Aláfia – Aláfia
- Issar – Todo Calor
- seixlacK - Seu Lugar é o Cemitério
- Bacantes – Bacantes EP
- Orgasmo de Porco - Useless
- Tássia Reis – Tássia Reis EP
- 2faces – Noema
- Far From Alaska - modeHuman
- Hierofante - Meditation Music I
- Gauche - Teatro de Serafins
- Jaloo - Insight EP
- Ian Ramil -IAN
- Maurício Pereira - Pra Onde Que Eu Tava Indo
- Dry - Enjoy The Fall
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terça-feira, 25 de novembro de 2014
Racionais e a chuva fustigante #review de Cores e Valores
Doze anos é muito tempo. É todo um período de mudanças políticas e sociais. De relação e distribuição de música. E de fato, o Brasil de Nada Como um Dia...passou de uma nação enrustida e afogada no neoliberalismo excludente para um país mais inclusivo e de moral alta. O que não mudou foi a própria semente do mal: o racismo, a violência e a ignorância. E disso os quatro pretos mais perigosos não tangenciam; eles mergulham com a devida sabedoria acumulada, e com força do discurso, agora cheio de fragmentos e síntese.
Nada seria tão fascinante porém se não fosse a música. Mais do que a engenharia dos versos, o encaixe desses com os samples (Cassiano, Roy Ayers), os beats e a vibe geral transformam em arte aquilo que é uma pensata dura e pertinente. Não, a vida não passa na televisão e nem te acaricia. Lide com isso. Mas pode te proporcionar alguns minutos de eletricidade pura. É o que Cores e Valores propicia.
Fica chato centrar discurso na duração das músicas, porque será (já está sendo) discutido. Mas aqui as rajadas de versos disparadas em espaço de tempo menor é parte da estética: funciona como uma chuva fustigante, sem espaço pra respiro, como um disco de hardcore, e é punk mesmo, sendo rap como o rap pode ser. É São Paulo em sua crueza, concreto e madeirite, pixo e poça, cheiro azedo no ar. É daqui que sai a inspiração, o paradoxo.
O disco (vou chamar de disco aquilo que está no HD de muitas pessoas agora) tem uma sequência lógica e meticulosamente articulada, como sempre. Cores e Valores realça o trap, que no Brasil já apareceu no trabalho de gente como Flow MC e o grupo brasiliense 3 Um Só. É o peso e a tensão disparadas em seu primeiro momento. "Somos o que somos, cores e valores", direcionando e posicionando o preto na terra dos bandeirantes. Sete faixas velozes, sintetizando ideias, temos que voltar pra entender melhor. KL Jay e os produtores lançando beats com uma facilidade fajuta, trabalho cuidadoso, míssil teleguiado. Só na oitava música, Eu Compro, a névoa se dissipa um pouco, levando mais de três minutos (bastante por aqui), como uma ponte entre os climas.
Adiante, as coisas parecem manter o olho aberto mas com um tipo de desaceleração importante, um respiro leve pra manter a tensão sem explodir. A Praça relembra exatamente um momento em que a tensão entre poder estatal armado e um público essencialmente oprimido explode. É um tema para finalizar o trabalho, que passa a dissipar esse clima com O Mau e o Bem, tentando enxergar um "céu azul" em meio á poluição geral. É Edi Rock reflexivo, sem ser nostálgico.
Quanto Vale o Show, vale ter Mano Brown não sendo factual, mas usando fatos para ilustrar um cenário maior, estória e trajetória. É quando Cores e Valores quase se desarma por alguns instantes, deixando o ouvinte assimilar a corrente. Dentro do contexto, é até compreensível imediatamente, embora quando lançada tenha sido alvo de coçadas de cabeça. Esse alívio deságua no final com Eu te Proponho, que fala sim de amor, um soul que, realista, espera por fuga e coisas diferentes no futuro.
Cores e Valores expõe o Racionais sendo propositivo. E se rap é compromisso, o grupo se compromete a não engessar sua visão estética, elaborando novas formas de ser relevante em 2014. O mundo muda, a arte também. O que permanece e incomoda, vira combustível. E assim se elabora o melhor banquete que podemos, todos, desfrutar.
sábado, 22 de novembro de 2014
Na Parede #1: Holger, Costa Gold, Supercordas e patricinhas
* Uma geral sobre a música que interessa *
E o trampo novo do Costa Gold ganhou o mundo no ultimo dia 20. "Posfácio" traz dezesseis músicas e uma faixa bônus. Com produção diversa (WC Beats, BillyBilly, Tuchê, Dois RBeats e outros) o disco rola redondinho com boa variedade nos beats e a levada dos MCs Predella, Nog e Adonai, que apresentam ora uma pegada descritiva ora disparam versos em velocidade (Nog). Com participações de peso como Xis, Funkero, Rashid e Kamau, Posfácio é uma viagem do tipo papo de noite entre amigos, com aquela tradicional zoeira e eventualmente uma troca de ideia sobre coisas sombrias. É bem ZO paulistana, bem golden, mas não só isso. Divertido. Baixe aqui.
Notícia velhíssima, é verdade, mas o lance das gurias de condomínio mandando um rap segue gerando comentários raivosos. O argumento para isso (não são "for real", são patricinhas falsas. etc.) é tão juvenil quanto o próprio vídeo. Pensei que já estávamos adiante nisso. Fora que a mina da esquerda tem uma levada melhor do que muito marmanjo.
O terceiro disco do Holger é um triunfo. Quem viu a banda desde o primeiro EP não pode deixar de se entusiasmar com o que os caras atingiram aqui. Dono de uma calma e reflexão, o ambiente de Holger, o álbum, é cheio de nuances: seja o baixo requebrante e intoxicante, os riffs esparsos e a geral economia instrumental. Com composições muito bem definidas, o espaço é preenchido apenas com o mínimo necessário. Nem precisa: as melodias são tão torneadas que mais é menos indeed. Se o Holger viajava pro litoral paulista antes, agora percorre toda a costa e o interior do Brasil, carregando um pouco de cada ritmo pra dentro de sua música. Segue tropical, mas com uma emoção extra nas letras. Bom demais.
No meio de um feriado, os heróis cariocas da lisergia Supercordas soltaram uma nova composição: Sobre o Amor e Pedras é das melhores coisas do ano, uma simbiose kraut com o tradicional selo de composição cuidadosa de Pedro Bonifrate.
A dupla Piper e Skylar Kaplan formam o Puro Instinct. O primeiro disco das irmãs californianas já era bem bom, e agora elas voltam com música nova. 6 Of Swords é um pop dançante com aquele ar chapado. Elas são queridas do Ariel Pink, e o trabalho novo, que sairá em 2015, promete.
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quinta-feira, 20 de novembro de 2014
Steve Albini: Música, Indústria e Consumo
O produtor (ou engenheiro de gravação, como ele prefere) e músico Steve Albini esteve recentemente na Austrália, onde proferiu uma palestra muito esclarecedora sobre a relação da música com o público, a indústria fonográfica e as novas interações proporcionadas pela internet.
Albini, um veterano de pelo menos trinta anos no ramo, deixou claro seu entusiasmo pela "era da internet" na música, celebrando o barateamento dos custos de produção, a liberdade de distribuição e o contato direto com os fãs. Separamos alguns trechos importantes:
"Os anos setenta até os noventa, o período em que estive mais ativo em bandas na cena musical - vamos chamar de era pré internet. A indústria da música era essencialmente a indústria de discos, em que discos e rádios eram os canais em que as pessoas conheciam a música e principalmente a experimentavam. Elas eram acompanhadas pela MTV e os vídeos nos anos oitenta e noventa, mas o principal relacionamento que as pessoas tinham com a música era através de música gravada."
"Mas gravar era uma aventura rara e dispendiosa, então não era comum. Até mesmo uma demo tape requeria um investimento considerável. Então quando eu comecei a tocar em bandas nos anos setenta e oitenta a maioria das bandas passavam por todo seu ciclo de vida sem uma única nota gravada."
"Estações de rádio eram enormemente influentes. radio era o único lugar para ouvir música e as gravadoras pagavam de acordo para influenciá-las. O jabá era ilegal, mas era expediente comum."
"Exposição internacional era extraordinariamente caro. Pra ter um disco seu conhecido no exterior, você tinha que convencer um distribuidor a exportá-lo. E era difícil que alguém ouvisse o disco e decidisse comprar. Então você acabava enviando cópias promocionais por um custo extremamente alto sem ter a certeza de alguém ouvir ou não."
“Vocês devem ter percebido que em minha descrição do mercado de massa da cena musical e da indústria pré internet eu quase não mencionei o público ou as bandas. Esses dois extremos do espectro praticamente não eram considerados pelo resto do negócio. Fãs deveriam ouvir o rádio e comprar discos, e as bandas deveriam fazer discos e excursionar para promovê-los. E isso era o máximo de consideração dada. Mas o público era de onde o dinheiro vinha, e as bandas eram de onde a música vinha."
“Através da internet, que mais do que qualquer outra coisa cria acesso as coisas, música ilimitada acabava se tornando disponível de graça. As grandes gravadoras não conseguiam ver como fazer dinheiro através da distribuição online então elas ignoraram, deixando os hackers e o público criarem um cenário de downloads. Pessoas que preferiam a conveniência do CD sobre os LPs naturalmente preferiram música baixada ainda mais. Você pode baixar ou fazer um stream ou ouvir no YouTube ou chamar seus amigos em message boards para eles mandarem um arquivo zip. Num piscar de olhos a música passou de ser rara, cara e disponível apenas em meio físico em lojas específicas para ser onipresente e grátis pelo mundo. Que evolução fantástica."
"Há muita sombra jogada pelas pessoas na indústria sobre o quão terrível é o compartilhamento de música, que é o equivalente a roubo, etc. É uma besteira. Eu quero que vocês vejam, por um minuto, a experiência da música pela perspectiva de um fã, pós internet. Música que era difícil de encontrar agora é fácil. Música que se aplica ao meu gosto, por mais esquisito que seja, está acessível a poucos cliques ou postando um tópico em um fórum. Dessa forma tive mais acesso a música que jamais imaginei. Com curadoria de outros entusiastas, desejosos de me manter ligado nas coisas legais; pessoas como eu, que querem que outras pessoas ouçam a melhor música existente."
"Agora veja as condições pela perspectiva de uma banda. Em comparação com o passado, equipamento de gravação e tecnologia se simplificaram e se tornaram plenamente disponíveis. Computadores agora já vêm carregados com software suficiente para fazer uma demo e lojas de instrumentos vendem microfones e outros equipamentos por um preço razoável... Essencialmente toda banda agora tem a oportunidade de gravar.
E elas podem fazer coisas com essas gravações. Elas podem postar online em vários lugares; Bandcamp, YouTube, SoundCloud, seus próprios websites. Elas podem linkar em fóruns, Reddit, Instagram, Twitter e até nos comentários de streams de outras músicas. 'LOL,' 'isso é um lixo,' 'muito melhor,' 'morte ao falso metal,' 'LOL'. Ao invés de gastar uma fortuna em ligações internacionais tentando encontrar alguém em cada território para ouvir sua música toda banda no planeta agora tem acesso instantâneo e grátis ao mundo nas pontas dos dedos."
quarta-feira, 19 de novembro de 2014
Mixtape Novembro 2014
Escalação:
Alessandra Leão - Tatuzinho
Criolo - Plano De Voo
Marion Cotillard – 'Snapshot in LA
Fugazi - Waiting Room demo
Tuty - Role de Golzin (Prod. Nave)
André Paste - Cosmos (feat. Holger)
Freddie Gibbs - Scarface
Moita - Campo De Concentração [Part. Síntese]
TESTEMOLDE - At The Refused Drive
Holger - Boca Suja
terça-feira, 18 de novembro de 2014
Natália Matos - Natália Matos #review
Uma música quente como Belém, repleta de cores e aromas como o Ver o Peso. Mais do que clichês podem oferecer como exemplo, o disco de estreia da cantora paraense Natália Matos encanta. Trazendo um time de músicos conhecidos da cena paulistana (Kiko Dinucci, Rodrigo Campos) de Recife (Rodrigo Caçapa) e composições próprias e de nomes como Felipe Cordeiro, Dona Onete e Almirzinho Gabriel, a sonoridade do debut passeia confortavelmente entre o "caribismo" do Pará e a aspereza de São Paulo.
Apesar de contar com uma numerosa equipe de compositores, o álbum é bem amarrado com temas de amor e relacionamentos, de atração e desencontros. A guitarra do pesquisador Caçapa ora adentra no ritmo requebrado, ora estimula a urgência, sempre embalado pela voz doce de Natália. Essa combinação mantém o coração do disco bombando, renovando o ar constantemente.
Cio, de Kiko Dinucci, é um emaranhado de guitarra e percussão de efeito intoxicante; Beber Você chama pra dançar no acento carimbó; Baila de Havana namora Cuba com arranjos acertados; Pouca Luz é um crescendo dramático. O trunfo do disco é o equilibrio entre sonoridades reconhecíveis com a busca por uma identidade particular. O resultado agrada, trazendo uma ambiência quente, sensual, comandada pela produção de Guilherme Kastrup.
Natália aparece como um dos bons nomes novos da música brasileira, apresentando um disco de estreia instigante e belo. 8/10
Marion Cotillard precisa lançar um álbum
Quem vê a atriz Marion Cotillard deslizando sobre a água e dançando no vídeo lançado pela marca Dior pode até não perceber que Marion também canta belamente mesmo quando não é Piaf. A francesa é lembrada principalmente pelo papel protagonista em La Vie en rose, mas seu envolvimento com a música é mais antigo.
Marion toca diversos instrumentos como guitarra e teclado. Já colaborou com a banda Yodelice e cantou com o Franz Ferdinand. É dela a composição Lily's Body, também para a marca Dior. A nova canção Snapshot in LA tem a mão de Joseph Mount, do Metronomy e é exatamente a junção de uma sutil e sexy canção francesa com um toque de modernidade.
Com uma carreira musical a conta gotas, não seria exagero imaginar que um disco só de Cotillard poderia muito bem ser uma beleza. Assista aos momentos musicais de Marion abaixo:
domingo, 16 de novembro de 2014
sábado, 15 de novembro de 2014
Criolo - Convoque Seu Buda #review
Uma diferente expectativa: assim Criolo chega ao seu terceiro disco. Se Nó Na Orelha era sua despedida/cartão de visitas, Convoque Seu Buda nasce sob os olhares do grande público, ansioso por mais do mix apresentado no álbum anterior. Aqui o momento é o de escorar um conjunto da obra, de botar as cartas na mesa e fincar os pés na tortuosa e bela história do rap nacional.
Criolo e seus parceiros Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman montaram um trabalho tão (ou mais) sonicamente expansivo quanto o anterior, mas com uma dinâmica ainda mais acertada e segurança até mesmo pra imprimir um "estilo Criolo", um approach particular para o hip hop brasileiro.
A unidade de Convoque Seu Buda apresenta raps contundentes como a faixa-título, Duas de Cinco e Esquiva da Esgrima; a herança africana de Cartão de Visita; o samba de Fermento pra Massa; a emoção na pele de Plano de Voo; uma viagem pra Jamaica em Pé de Breque; o afro-punk de Fio de Prumo. Assim, o artista demonstra domínio de suas habilidades sem comprometer o fio condutor.
É inevitável comparar o nascimento de uma obra com o momento do país. Quem não percebe a veia de observação social de Criolo, creditando uma espécie de discurso difuso e transcendental ao MC (Me ajude, Lázaro) deixa de ser atento às letras. Ao longo das dez faixas do disco, o ex Doido manifesta sua visão de desagrado com o progresso descolado da inclusão ("o governo estimula e o consumo acontece, mamãe de todo mal a ignorância só cresce") dá a real da rua ("cada maloqueiro tem um saber empírico") traz um pensamento pertinente aos dias de hoje ("Quem toma banho de ódio exala o aroma da morte") elabora filosofia ("E por mais que eu tente explicar, não consigo tornar concreto o abstrato que só eu sinto).
Musicalmente ousado, Convoque Seu Buda esparrama diversidade: ao lado de instrumentais hábeis e parcerias certeiras, beats e arranjos se harmonizam, tecidos de cores afros, jamaicanas e estadunidenses são recriados sob esmero brasileiro. O encontro com o Síntese é de uma sinergia ímpar, uma vez que o escopo de trabalho do garoto do interior de São Paulo é a visceralidade da entrega e a fúria do pensamento, tabelando com a sabedoria do "irmão mais velho" Criolo. A voz de Juçara Marçal, talvez a mais bela do Brasil hoje, traz um cenário multidimensional para Fio de Prumo, uma aventura repleta de metais e sinuosidade. O rap Esquiva da Esgrima trabalha percussão e teclado, guitarra e refrão memorável. A crônica do caos e da diversidade da metrópole dá as caras no samba Fermento Pra Massa.
Então qual o elemento que faz de Convoque Seu Buda um álbum coeso? Na verdade são dois: o escopo gigante de observações sobre a vida em nosso país inclui um vórtex de emoção e pensamento, de quem enxerga mas também sente na pele, de quem participa e se revolta. Dessa forma, é um compêndio das contradições brasileiras em forma de versos pontiagudos: é uma grande crônica sobre ser brasileiro. O outro é a forma com que diversos gêneros passeiam sem sobreaviso nem vergonha, com destreza simples e sangue nos olhos. De novo, é um disco brasileiro com a alma e essência do hip hop, DNA incontestável mesmo quando pratica um samba.
A junção desses elementos resulta em um disco importante, que estabelece de vez um parâmetro alto de entrega e criação no rap nacional. É a formação de uma obra que cada vez mais expande horizontes e inspira novos voos. 9/10 Baixe o disco aqui.
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
#HighFive - Cinco Canções: Motim
Para a nova edição do High Five chamamos o MC Tiago RedNiggaz, do Motim, pra botar cinco sons que valem a pena ouvir:
Mundo Livre SA - Meu Esquema
"Queria ter escrito essa, acho a melodia, harmonia e poema sensacionais...chama na bala de canela pra tirar o chulé da boca e chega na garota rs."
The Roots (feat.Blu, Phonte and Patty Crash) - The Day
"Da série músicas pra escutar na hora de acordar...belo play."
Sean Price - Boom Bye Yeah
"Me lembra a rinha dos MCs, quando era na zona sul de São Paulo, rap pesado, sujo, de rua mesmo...batalhei várias vezes em cima desse instrumental."
Damian Marley - More Justice
"Música pra ficar Jah Jah em casa e escrever algo...bem legal."
MRN - Noite de Insônia
"Me identifico com essa música demais...desde a primeira vez que escutei...esse disco do MRN é um clássico do rap nacional, vale a pena a pesquisa e a audição."
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Tiê - Esmeraldas #review
É certo que não há fórmula para equilibrar a aceitação do público e da crítica. Tiê surgiu com um intimista e delicado primeiro disco (Sweet Jardim, de 2009) e criou um segundo disco mais ensolarado (A Coruja e o Coração, 2011), que ampliou seu público mas alienou quem esperava mais da melancolia do debut. Seu novo álbum, Esmeraldas, parece não apenas equilibrar os elementos, mas expandi-los de forma segura e robusta.
Em canções como Gold Fish o desenho que começa minimalista e se expande através de arranjos bem escolhidos se torna multifacetado, abandonando de certa forma uma simplicidade econômica de outrora. É um cartão de visitas para uma sonoridade mais emaranhada. A faixa-título tem uma ambiência Clube da Esquina de cordas com um acento folk; um som mais cheio mas sem possíveis rebarbas - aqui a produção permite apenas o suficiente, sem sufocar a base das composições.
O rock veloz e limpo de Par de Ases e Mínimo Maravilhoso acena para uma dinâmica que aceita a simplicidade mas não se limita a um escopo curto: há espaço para pequenos arroubos de ritmo diferente do habitual. Certo também é que a voz de Tiê acompanha essa atmosfera: a compositora explora mais o campo da melodia, sem no entanto deixar a suavidade, com bons resultados. Urso é um pop moderno e galopante, e Isqueiro Azul remete à uma sutileza à la Sweet Jardim, mas com um som mais expansivo.
Nas letras Tiê não abandona suas observações sobre amor, relacionamentos e cotidiano; mas em Esmeraldas, há maior inventividade nas escolhas das palavras. Seja brincando com a sonoridade delas em Urso, projetando cenários da vida casual em Máquina de Lavar ou discutindo a privacidade em All Around You (com participação de David Byrne) , o universo lírico também ganhou mais corpo.
Esmeraldas oferece escolhas melódicas diversificadas, arranjos bem conduzidos e uma roupagem que acompanha o universo pop atual. Tiê conseguiu fazer um disco com identidade bem definida, ao mesmo tempo em que busca caminhos diferentes. 8/10
Três discos de rap nacional pra baixar agora.
De bobeira? Resultado das eleições te deprimiu? Saca só três discos de rap nacional pra baixar e curar suas feridas:
Lurdez da Luz - Gana Pelo Bang (beats globais, astral brasileiro)
MOTIM - M.O.T.I.M. Mixtape (exercício golden era, nenhum verso em vão)
Moita - Delírio Lógico (lo-fi, sujão e elucubração filosófica sombria)
segunda-feira, 22 de setembro de 2014
Holger retorna com novo som e vídeo maneiro
Claro que o Holger é uma das bandas do coração por aqui, então ficamos felizes em saber que vem aí o terceiro disco. Pra aquecer, temos esse som novinho acompanhado de clipe belezura que o Noisey lançou. A música traz a velha vibe tropical da banda, mas agora com mais sentimento. É como se o Holger tivesse voltado de Ilhabela de ressaca e no dia seguinte acordasse mais reflexivo. Tipo isso. Veja aí:
sábado, 13 de setembro de 2014
Zá - Tanto Barulho #video
Já faz um tempinho que recomendamos por aqui o trabalho de uma jovem cantora que unia boas melodias e ganchos instantâneos com o apelo do pop. Agora, alguns anos depois, Zá retorna com o projeto de lançar músicas individualmente na rede, que formarão o repertório de seu segundo disco. Tanto Barulho não decepciona, com elementos que criam uma ambiência mais encorpada sem perder a velha pegada grudenta no refrão. Assista ao vídeo e visite o Soundcloud da garota:
terça-feira, 13 de maio de 2014
Tem clipe do Don L na área
Vocês já sabem que o Don L lançou o melhor trabalho de 2013 no Brasil e a gente por aqui curte demais o fera. Então é com grande alegria que recebemos o clipe de "Beira de Piscina", uma das faixas da mixtape "Caro Vapor". A faixa é uma reinvenção da música do Emicida e o clipe foi dirigido pelo Toddy Ivon, num rolê por São Paulo central e Brás. Ajeita os drinks e curte o vídeo:
*Vale lembrar que o Don vai fazer um show gratuito na capital paulista no próximo dia 20: será no Sesc Pompeia.
*Vale lembrar que o Don vai fazer um show gratuito na capital paulista no próximo dia 20: será no Sesc Pompeia.
domingo, 27 de abril de 2014
Juçara Marçal - Encarnado #review
"Não diga que estamos morrendo/hoje não!/Pois tenho essa chaga comendo a razão". A voz é forte mas conduz a melodia de forma leve, contrastando com o jogo de duas guitarras elétricas que arranham e fazem ora um diálogo, ora uma parede dissonante. A voz é de Juçara Marçal, cantora que já caminhou por grupos como Vésper e A BARCA, além de já ter gravado com Kiko Dinucci e ser integrante do Metá Metá. Mas Encarnado é o primeiro disco solo da artista: sua companhia por aqui é formada pelos suspeitos usuais aka Turma-do-Afropunk-Samba-Experimental-Paulista: Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thiago França,e ainda a rabeca de Thomas Rohrer.
As canções do disco frequentemente se aproximam de uma realidade dura e do tema da morte, de emoções árduas e cruas. A ausência de percussão é preenchida por eletricidade e distorção, trazendo uma estética desafiadora e contrastante. Além de canções escritas por integrantes do time acima mencionado, temos composições de Romulo Fróes, Douglas Germano, Gui Amabis, uma música de autoria de Juçara, Siba, Itamar Assumpção e Tom Zé. Curioso que mesmo as peças dos últimos três, separadas cronologicamente e de ambiência muito particular, se encaixam belamente na proposta do disco. A prosa de Siba (A Velha da Capa Preta) é transformada em um tormento de beleza sutil; a ideia de ódio transmitida pela canção de Tom Zé (Não Tenha Ódio no Verão) se esgueira sombria e lentamente; e finalmente, a criação de Itamar (E o Quico?), repleta da tradicional liberdade narrativa, se coloca ainda que involuntariamente como ponto de encontro da Vanguarda de outrora com os músicos de mesma estirpe voraz e criativa da atualidade.
Mais do que as nuances sônicas, Encarnado possui belas letras que percorrem uma ambiência sombria: "Ciranda do Aborto" é dolorosa e gráfica: "Passa na carne a navalha/se banha de sangue/sorri ao chorar" são os versos iniciais de uma narrativa pesada que ainda inclui o desfecho: A ferida se abriu/nunca mais estancou/pra você se espalhar/laceado...pra você descansar no meu braço/aos pedaços". Através de temas como esse se torna mais compreensível a escolha da sonoridade áspera: ela dialoga com letras tão ou mais diretas.
No terreno fértil e abundante do universo musical que os músicos fazem parte (Metá Metá, Passo Torto e os discos solo de Kiko Dinucci, Romulo Froes, Rodrigo Campos, Douglas Germano e Thiago França) reside um tipo de criação que invariavelmente instiga o ouvinte; seja vasculhando o samba ou resíduos perenes da diáspora africana ou até mesmo o punk rock e o free jazz, a turma nos concede uma forma particular de arte. A presença de Juçara agora faz jus a uma das mais belas vozes do Brasil atual, e de quebra serve de companhia brilhante para os demais trabalhos desse universo. Não é exagero afirmar que tal sonoridade inventiva possui relevância que ainda será melhor contextualizada em alguns anos. No entanto, já nos serve a audição de obras como Encarnado, em todo o seu esplendor de imperfeição e ruído. 9/10
Baixe o disco aqui.
Mais do que as nuances sônicas, Encarnado possui belas letras que percorrem uma ambiência sombria: "Ciranda do Aborto" é dolorosa e gráfica: "Passa na carne a navalha/se banha de sangue/sorri ao chorar" são os versos iniciais de uma narrativa pesada que ainda inclui o desfecho: A ferida se abriu/nunca mais estancou/pra você se espalhar/laceado...pra você descansar no meu braço/aos pedaços". Através de temas como esse se torna mais compreensível a escolha da sonoridade áspera: ela dialoga com letras tão ou mais diretas.
No terreno fértil e abundante do universo musical que os músicos fazem parte (Metá Metá, Passo Torto e os discos solo de Kiko Dinucci, Romulo Froes, Rodrigo Campos, Douglas Germano e Thiago França) reside um tipo de criação que invariavelmente instiga o ouvinte; seja vasculhando o samba ou resíduos perenes da diáspora africana ou até mesmo o punk rock e o free jazz, a turma nos concede uma forma particular de arte. A presença de Juçara agora faz jus a uma das mais belas vozes do Brasil atual, e de quebra serve de companhia brilhante para os demais trabalhos desse universo. Não é exagero afirmar que tal sonoridade inventiva possui relevância que ainda será melhor contextualizada em alguns anos. No entanto, já nos serve a audição de obras como Encarnado, em todo o seu esplendor de imperfeição e ruído. 9/10
Baixe o disco aqui.
sábado, 12 de abril de 2014
Ogi + Emicida + DJ Caíque: Insomnia
E o Noisey botou na roda essa semana o clipe de Imnsonia, música que fará parte da mix do DJ Caíque "Coligações Expressivas III". E chegou pesado mesmo, com Ogi criando um tipo "Assassino de MC fake" cheio de detalhes sangrentos e o Emicida botando banca e o dedo na ferida da sociedade como sempre. Cabe até referência ao Whitesnake, Smoke On The Water e Itamar Assumpção. Confere aí:
domingo, 16 de fevereiro de 2014
O Renegades of Punk vai pra Europa no esquema DIY
O barulho tropical-punk de Aracaju vai viajar: a banda The Renegades of Punk vai fazer uma turnê na Europa em meados de junho e até aí não é surpresa já que o trampo dos caras é classe, todo trabalhado nos timbres e nos riffs estilo facas Ginsu. Só que o esquema da viagem é autonomia pura, junta-os-truta-e-vamo-aí, sem deixar de ter uma organização bem feita, é claro. Conversamos com a vocalista/guitarrista Daniela pra destrinchar os detalhes:
Como surgiu a ideia da turnê?
Deu pra sacar que o esquema DIY permeia toda a parada da turnê; Quais as vantagens e ificuldades dessa autonomia?
Diy é nosso modus operandi. É a forma que a gente faz as coisas. Existem outras, claro, mas é assim que aprendemos a fazer as coisas funcionarem e é a forma que mais nos agrada. As vantagens são a autonomia e experiência que você troca com as pessoas que vivem coisas bem parecidas com você, independente da localização geográfica. A desvantagem é que tudo necessita de um pouco mais de trampo e suor pra acontecer. Mas isso é, ao mesmo tempo, parte da beleza do processo.
Como surgiu a ideia da turnê?
Quem está dando total apoio e nos ajudando com o lance de marcar os
shows e vão acabar dirigindo pra gente lá são o pessoal da No Gods No Masters,
Josimas e Andreza. A gente tem alguns amigos que moram lá e alguns contatos que
foram feitos através dos anos. Temos um 7'' lançado pelo selo alemão
Thrashbastard e alguns lançamentos que estão pra sair por selos franceses. Daí
o assunto de irmos pra lá tocar sempre vinha à tona. Com a ajuda e incentivo do
pessoal da No Gods No Masters isso se tornou mais real. Desde então começamos a
planejar nossa ida pra lá
Também vão rolar eventos pra arrecadar grana pra turnê. Conta mais sobre isso.
Os eventos pra arrecadar grana que estamos pretendendo fazer serão
acontecimentos mensais, ao menos, aqui na nossa cidade. Nossa intenção é contar
com a colaboração dos amigos e tentar fazer shows a custo mínimo (zero é o
ideal) para tudo que entrar na bilheteria ir para a "caixinha" da
banda. O que levantarmos de grana até o início de junho será usado para
diminuir os custos da viagem, que são significativos. Os eventos provavelmente
vão se dividir entre shows, eventos com rango vegan e venda de merchandise da
banda.
A turnê vai passar por quais lugares?
A ideia é que ela comece em Barcelona e termine no Punk Illegal, na Suécia, passando por França, Itália, Suíça, Alemanha, Rep. Tcheca, etc.Deu pra sacar que o esquema DIY permeia toda a parada da turnê; Quais as vantagens e ificuldades dessa autonomia?
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
"Ela" é alegoria da vida pós-digital
"Ela", novo filme escrito e dirigido pelo diretor estadunidense Spike Jonze, traz o retrato de uma vida pós-digital, repleta de tecnologia que (poderia) facilitar a conexão entre humanos e entre humanos e máquinas. A trama se passa em um futuro indefinido, mas espelha a vida que de alguma forma já presenciamos.
O personagem central, vivido por Joaquin Phoenix, trabalha escrevendo cartas personalizadas, trazendo emoções e sensibilidade para pessoas se comunicarem. Entretanto, Theodore não possui a mesma habilidade quando tem de organizar seus próprios sentimentos: vindo de um casamento fracassado, passa noites solitárias jogando videogame ou apelando para o sexo virtual. Seu refúgio mais próximo da interação humana é com sua amiga Amy (Amy Adams).
A vida de Theodore é chacoalhada com a aquisição de um sistema operacional avançado, que assume o nome de Samantha (Scarlett Johansson). Ultra-avançado, o sistema não apenas é capaz de perceber emoções mas também consegue criar suas próprias, se tornando uma excelente companhia para Theodore.
Aqui temos alguns temas que o filme levanta: o protagonista lida bem com emoções de outras pessoas por ser sensível, mas é confuso em relação as suas próprias; é capaz de se relacionar - a princípio - com desenvoltura com um agente artificial, mas falha em ser boa companhia para as mulheres. Inadequação social e a aparente proximidade conquistada através do mundo virtual; a conexão frágil entre as pessoas; o mundo da consciência computacional; todos esses tópicos estão no filme.
Belamente interpretado por Joaquin Phoenix, Theodore encontra acolhimento na interação com uma consciência divertida, inteligente e cheia de vida que não possui corpo. Esse paradoxo inicial trará consequências para a relação entre o humano e o sistema operacional. Assim como na sequência de atos dentro de uma relação entre humanos, a troca de experiências entre o real e o virtual traz ruídos que balançam o equilíbrio da relação. O porém aqui é que uma das pontas é capaz de processar esse ruídos de forma diferente, criando algoritmos de emoções e seguindo um caminho de expansão além do humano.
"Ela" encanta por trazer uma estória original e por contar essa estória de forma divertida. A solidão afeta a todos, e os sentimentos que nos levam a buscar contato com outros são universais e comuns, trazendo a empatia com Theodore. O mundo parece não digerir a simbiose humano-virtual, já que as centenas de amigos ou seguidores em redes sociais não trazem uma fruição completa do espectro relacional. O filme contempla esse choque ao introduzir uma personagem que não se vê, não possui corpo mas se comunica livremente.
Sensível e divertido, "Ela" é uma alegoria da maluca vida pós-digital. E da busca por amor que nos faz, ainda, humanos.
Claro que se tratando de Spike Jonze, a música é elemento fundamental: elaborada pelo Arcade Fire e Owen Pallet, traz músicas de Karen O, Breeders, N.A.S.A. e do próprio grupo canadense. "Ela" tem previsão de estreia para o dia 17 de janeiro no Brasil.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
#Review: Hierofante Púrpura - A Sutil Arte de Esculhambar Música Alheia
E 2014 já começou bem: o Hierofante Púrpura soltou no dia mundial do pós-ressaca seu novo trampo. E se o primeiro dia meio modorrento do ano é preguiçoso, A Sutil Arte...quebra qualquer sono na ambientação psicodélica de suas cores. Típico do perfil low profile dos caras, o disco mescla composições próprias com a tal "esculhambação" de músicas de artistas diversos.
E a escolha das versões é caleidoscópica: de Againe a Pena Branca e Xavantinho, passando por La Carne, Yo La Tengo e Mr Airplane Man. E os ares de Mogi das Cruzes fez com que todas essas bandas convergissem em experiências sônicas lisérgicas, e até mesmo a imensa familiaridade com O Cio da Terra não atrapalha a viagem.
A percepção das frequências aqui é importante: os graves em músicas como Vida e Morte de Ira Kaplan são indutores, base pra qualquer estudo de psicoacústica; Transcendentalizei vai se desdobrando através dos riffs; O Cio Da Terra continua bonita mas expandida sutilmente à condição de psicodelia rural enfim. Cada uma das doze faixas contém uma condição única, particular, sem que o conjunto fira a coerência final.
Carregando em imagens arrastadas que se apresentam borradas, nota após nota, eco após eco, em uma longa suíte tão bela quanto quieta, o Hierofante Púrpura fez um trabalho que demonstra novas sensações a cada audição; assim como somos a síntese de anjos e animais, ansiosos pela miríade de oportunidades, A Sutil Arte... é um álbum de caminhos diferentes, humano a cada acorde. 9/10
E a escolha das versões é caleidoscópica: de Againe a Pena Branca e Xavantinho, passando por La Carne, Yo La Tengo e Mr Airplane Man. E os ares de Mogi das Cruzes fez com que todas essas bandas convergissem em experiências sônicas lisérgicas, e até mesmo a imensa familiaridade com O Cio da Terra não atrapalha a viagem.
A percepção das frequências aqui é importante: os graves em músicas como Vida e Morte de Ira Kaplan são indutores, base pra qualquer estudo de psicoacústica; Transcendentalizei vai se desdobrando através dos riffs; O Cio Da Terra continua bonita mas expandida sutilmente à condição de psicodelia rural enfim. Cada uma das doze faixas contém uma condição única, particular, sem que o conjunto fira a coerência final.
Carregando em imagens arrastadas que se apresentam borradas, nota após nota, eco após eco, em uma longa suíte tão bela quanto quieta, o Hierofante Púrpura fez um trabalho que demonstra novas sensações a cada audição; assim como somos a síntese de anjos e animais, ansiosos pela miríade de oportunidades, A Sutil Arte... é um álbum de caminhos diferentes, humano a cada acorde. 9/10
#HighFive - Cinco Canções: Rosie Mankato
Sempre convidamos uma galera massa pra montar uma playlist especial; nesta edição, Rosie Mankato:
Capybara - Vandals
"Tá na minha playlist pra surfar, que é o que ocupa minha cabeça 80% do tempo no momento :~"
Broken Anchor - Leave The Light On
"Não consigo entender como essa banda só tem 268 likes no Facebook. Só tenho vontade de comprar um jipe quando escuto isso."
WET - Don't Wanna be Your Girl
"Excelente pra terminar relacionamentos indiretamente, haha!"
Meiko - Real Real Sweet
"Uma música que todo stalker deveria ouvir."
Cub Sport - Paradise
"Porque ficar de coração partido no verão não pode ser exclusividade da Lana del Rey."
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