sábado, 19 de novembro de 2016

David Bowie, Whatsapp, Brad Pitt: Entenda a mistura com o som novo do NiLL


O menino bom de Jundiaí chamado NiLL lançou de forma inusitada seu novo som. Todos que deram um salve pelo número de telefone divulgado pelo Facebook do MC receberam "Minha Mulher Acha Que Eu Sou o Brad Pitt", música que fará parte do álbum Regina, que sai em 2017. Uma love song produzida pelo Adotado, figurinha carimbada dos lançamentos da SoundFoodGang, a canção sampleia Ashes to Ashes, hit de 1980 do David Bowie. Fique com o lyric video abaixo:

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

"Sulicídio" escancarou as portas para o rap nordestino. E isso é bom.



Algumas coisas importantes aconteceram desde que “Sulicídio” saiu. A canção de Diomedes Chinaski (Chave Mestra) e Baco Exu do Blues é sem dúvida uma das mais emblemáticas de 2016, seja por sua proposição ou pelo seu efeito. De imediato, serviu pra mostrar que o preconceito, tão combatido na superfície, resiste fortemente nas entranhas do rap: ofensas de todo tipo aos nordestinos pipocaram nos comentários e threads online. A reflexão fundamental é que a comunidade hip-hop não conjuga os mesmos princípios, basta uma fagulha para que vertentes conservadoras apareçam, mesmo que embrulhadas em arquétipos “desconstruídos”. Porém o impacto mais importante, e o que talvez determine o sucesso de sua empreitada, é que o rap produzido no Nordeste passou a ser enxergado fora de seu antes limitado campo de ação.

É bem verdade que o cearense Costa a Costa é celebrado país afora há pelo menos uma década, mas o rap produzido na região só ganha espaço de forma episódica desde então. Como quase sempre acontece, o que não é escutado parece não existir, refletindo de forma cruel uma realidade mais ampla de existência de toda uma cultura; para muitos no sudeste, nordestinos são seres invisíveis, somente lembrados de forma pejorativa como “incômodo”. Incomoda seus modos, seu sotaque e sua presença fora dos cercados sociais estabelecidos. A ideia de absorção de elementos diversos, tão importante para o hip-hop, parece desvanecer diante de uma enraizada visão formalista e limitante de “pertencimento” a algo superior.

É bem por isso que “Sulicídio” é perspicaz: ao afrontar seus pares do sudeste, Baco e Chinaski demonstram a real necessidade de espalhar o som para uma audiência mais aberta, democrática e ampla nacionalmente. Não é agressão, como alguns sugeriram, mas agressividade no campo de ideias, expressão eloquente e pedido de empatia. Rap na essência. Não por acaso, alguns dos melhores raps de 2016 surgiram do nordeste, mais especificamente do centro criativo já citado: Chave Mestra, de Recife, Baco Exu do Blues de Salvador e Nego Gallo (Costa a Costa), de Fortaleza, com as respectivas músicas “Coração no Gelo”, “999” e “Sem Remorso”.

Elas possuem elementos diversos, alguns em comum. A forte veia personalista diferencia claramente as canções: o melodismo do Chave Mestra, a agressividade de Baco e a reflexão do Gallo (com excelentes feats do Coro MC e Frieza). Todas elas apresentam ótima veia lírica, seja jogando punchlines matadoras (“Vai se fuder para lá” já é definitiva) seja introduzindo gírias locais (O “boy” do Chave Mestra pode não ser mesmo “boy” do Racionais). Algo que enriquece demais o jogo também são os sotaques, já que a levada sofre influência direta, gerando curvas melódicas diferentes, menos “quadradas” em relação à encontrada no paulistanês, por exemplo. A oscilação emocional das músicas também agrada, oferecendo ao ouvinte um caleidoscópio de afirmações, pensamentos e reflexões. Nada aqui é unidimensional. Mas talvez o que as une seja o extremo potencial para hit. São três músicas prontas e embaladas pra fazer a cabeça da molecada.

Dessa forma, o rap nordestino adiciona valores ao cenário nacional. E é sempre parte da construção do macrocosmo do hip hop incluir, e não rejeitar novas expressões artísticas. Ser capaz de observar as nuances e levadas de diferentes estados brasileiros deveria nos orgulhar. Cada vez que artistas locais produzem com qualidade e empreendem, o jogo é elevado. Em um artigo acadêmico sobre o hip hop estadunidense intitulado “The SocialSignificance of Rap and Hip Hop Culture”, de Becky Blanchard, é citado que “Rappers são vistos como a voz do povo, da juventude negra urbana, cujas vidas são geralmente mal representadas ou rejeitadas pela mídia mainstream. Eles são os guardiões da história da classe trabalhadora negra contemporânea.” E assim se constrói uma narrativa, uma visão e uma voz a quem geralmente não possui espaço. Paralelamente, no Brasil o Nordeste apresenta seus talentos, e todos esperamos que eles continuem ganhando espaço.