sábado, 23 de maio de 2015

Os portugueses do Ermo trazem sua eletrônica soturna ao Brasil



Há alguns meses tive a chance de conhecer o trabalho dos portugueses do Ermo. É fato que a música lusitana por aqui, exceção feita a connoisseurs, é divulgada apenas pelo folclore ou por lendas como o Mão Morta. Talvez o Ermo ajude a mudar esse quadro. Vinda de Braga, a dupla oferece uma eletrônica alicerçada em camadas e detalhes, com destaque para a habilidade lírica e vocal de António Costa; uma música ora soturna, ora serpenteante, sempre buscando uma linguagem rítmica peculiar. O mais novo EP deles, Amor Vezes Quatro, exercita as diferentes ideias e formas atribuídas à palavra. 

Uma canção como a angustiante faixa-título exibe as credenciais da banda: ambiência enfumaçada, tensão, letras bem construídas e um tipo de composição que clama por atenção. É só o começo de um trabalho instigante, mesclando sensações sombrias e belas. Não é todo dia que o onanismo se torna tema da música pop sem uma relação de frivolidade adolescente: "Súcubo" é uma pequena crônica da masturbação como um exasperado escape da realidade. Há espaço para temas como a pedofilia na igreja em "Recreio", retratada com humor negro que não alivia por completo a sensação de desconforto.  "Fado Teu" é talvez o tema mais próximo do amor intocado de impulsos e perversões, mas mesmo assim é repleto de desejo.

Um universo em que desespero, melancolia, raiva e amor se misturam. É o que oferecem os portugueses do Ermo. A boa notícia é que eles estão a caminho do Brasil: já estão confirmados no Festival do Sol, em novembro.

http://ermo.bandcamp.com/
https://www.facebook.com/ermo.braga


quinta-feira, 14 de maio de 2015

DEZ DISCOS FUNDAMENTAIS DO DIY PUNK




Mais do que o clichê dos três acordes, as bandas que construíram discos fundamentais do punk faça-você-mesmo formaram gerações de pessoas dispostas a criar e fazer barulho, em qualquer área. Em diferentes partes do planeta, garotos e garotas tiraram o som das garagens e registraram, da maneira que fosse possível, seu grito de liberdade. Da Califórnia passando por Washington, de São Paulo até Londres, essa galera inspirou – e inspira até hoje – gerações de seguidores que, para além de fãs de música, são também admiradores de um estilo de vida em que a vontade e a criatividade são sempre mais fortes que as barreiras. Selecionamos alguns dos petardos mais inspiradores ao longo da história:

Minutemen – What Makes a Man Starts Fires? (1983)

Quem disse que o punk é só tosquice? O trio de San Pedro na Califórnia tinha Mike Watt  no baixo, um fera que injetava muita inventividade nas linhas do instrumento.

Circle Jerks – Group Sex (1980)

Com um vocalista alucinado como Keith Morris e canções velozes, a estreia do Circle Jerks é certamente um marco do punk rock.

Crass – Stations of the Crass (1979)

Os ingleses do Crass cuidavam de tudo de forma autônoma – o faça-você-mesmo em forma de banda – e tocavam música que inspirava muita gente a encarar questões políticas sem deixar de se divertir.

Germs – (GI) (1979)

Primeiro e único disco do grupo liderado por Darby Crash, morto em 1980. Fúria gravada parcialmente ao vivo no estúdio, para recriar as lendárias apresentações do Germs.

Cólera – Pela Paz em Todo o Mundo (1986)

Redson Pozzi nos deixou precocemente em 2011, mas o legado de sua banda é imensurável. O segundo disco do Cólera é um marco do punk brasileiro, recheado de hinos humanistas.

Fugazi – steady Diet of Nothing (1991)

Com uma filosofia DIY bem definida e músicos hábeis, o Fugazi mostrou que o hardcore poderia se expandir sonicamente; o disco foi produzido pela própria banda.

Minor Threat – Out of Step (1983)

Antes de integrar o Fugazi, Ian MacKaye esteve no Minor Threat: depois de alguns EPs, o disco de estreia da banda de Washington formou a base para o encontro do hardcore de letras pessoais e questões sócio-políticas.

Descendents – I Don’t Want to Grow Up (1985)

Antes da fórmula da melodia tomar conta do punk nos anos noventa, o Descendents já divertia milhares com músicas grudentas e aroma adolescente.

Black Flag – Damaged (1981)

Um disco icônico que reúne humor bastante ácido com violência e agressividade, além de riffs afiadíssimos cortesia do guitarrista Greg Ginn.

Nation of Ulysses – 13-Point Program To Destroy America (1991)

Com referências aos Panteras Negras e à paranoia anticomunista, adicionando um punhado de canções ultra velozes, o Nation of Ulysses e seu carismático líder Ian Svenonius entregou um pequeno clássico do barulho punk.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Na Läjä Records, o faça-você-mesmo é só a rotina





*texto originalmente publicado no site Get Loud da Converse

Não é todo site que oferece um f.a.q. ao consumidor tão brutalmente honesto e zombeteiro que contém itens como este:
“É verdade que 5% do lucro anual da Läjä Records é revertido para projetos de caridade e ajuda humanitária em todo mundo?
R: Não.”

É apenas um dos muitos exemplos da tríade sujeira-independência-diversão que é a base da Läjä Records, gravadora e loja independente sediada no Espírito Santo e capitaneada por Fábio Mozine, da lendária banda Mukeka di Rato e também integrante d’Os Pedrero e Merda. Iniciando atividades nos anos noventa como forma de impulsionar lançamentos de seu próprio grupo, a Laja não apenas se sustentou ao longo do tempo como cresceu e transpôs a barreira pré/pós internet com a mesma desenvoltura da sequência do setlist de um show do Mukeka.

O selo hoje é casa de bandas que podem perfeitamente formar uma escalação de sonho para um festival de hardcore e punk rock, embora haja espaço também para música que não necessariamente se encaixa no formato mais tradicional do gênero; é possível adquirir itens como camisetas ou moletons com estampas que não estarão brevemente em grandes lojas de departamento ou vestidas por celebridades da televisão. Também há uma seção de games no site que futuramente pode invadir o seu smartphone, já que há planos de transportá-los para a plataforma dos sistemas operacionais dos aparelhos móveis. O mais louco é que não se trata de uma empresa que vai ganhar prêmios corporativos, mas apenas Fábio Mozine e uns malucos que o ajudam a fazer coisas como embalar pedidos, ir ao banco e postar coisas no correio. Sobre isso tudo falamos com o fera:

Como a Läjä Records surgiu?

Surgiu basicamente da necessidade que eu senti em lançar a minha banda Mukeka di Rato, e pelo fato deu acreditar que teria como fazer um trabalho melhor que outros selos que eu observava na época e acreditar que teria maior controle.  Porém antes mesmo de lançar material da minha banda, eu lancei bandas como TPM e Gritos de Ódio, dessa forma a gravadora já começou com vida própria, lançando outras bandas que não apenas as que eu toco.

Você integra bandas diferentes que excursionam pelo globo e chefia as operações da Läjä. Conta com a ajuda de muita gente pra equilibrar as tarefas?

Conto com a ajuda de amigos, colaborando principalmente na criação de artes, e fazem tudo isso na base da brodagem, muitos deles gostam de ter suas artes divulgadas na Läjä.  Mas basicamente as operações diárias da Läjä são todas executadas por mim, seja a questão de escrever letras, escrever projetos, mixar ou masterizar um disco, até as funções como entregar um disco pra um cliente, visitar lojas, ir ao correio, comprar caixa de papelão, organizar estoques, ou seja, tudo.

Dá pra identificar claramente uma estética DIY na Läjä, desde a arte das capas dos discos, a linguagem utilizada e até o layout do site. Essa cultura do faça-você-mesmo é algo indissociável na sua vida?

Acho que sim né, é uma linguagem tosca que já ta encruada, não tem jeito.  Mas tenho projetos que seguem outra estética, como por exemplo, o cd do Bode Preto, também o CD do RDP com a capa feita pelo Marcatti.  Também são bandas com postura DIY em vários aspectos com uma estética um pouco menos largadona do que as que abundam na Läjä.

Quando a gravadora começou não vivíamos a era da internet plena. Como foi o processo de transição para vocês?

Tosco como é até hoje.  Minha primeira inserção na vida da internet foi ter um e-mail, depois usando redes sociais da época como mirc e icq, mas para divulgar a banda também.  Eu sou bastante daquela galera da inclusão digital, pra mim foi um sufoco aceitar ter um facebook, eu achava coisa de mané, minha namorada que fez o meu facebook, hoje eu uso de forma desenfreada, tipo, o lugar mais facil de ser falar comigo é o facebook.  É dificil pra mim acompanhar as novidades, e as minhas redes sociais são bem caseiras, mas estou no meu limite, não consigo ser mais profissa do que isso.

Qual o nível de podreira uma banda precisa ter para integrar o cast da Läjä?

Muito relativo isso.  O Hablan por la Espalda não tem podrera nenhuma, é uma banda que tem teclado, percussão, mas são meus amigos, eu acho a cara da Läjä, tenho orgulho de ter lançado.  As bandas são bem diferentes que saem pela Läjä, mas de uma certa forma, na minha cabeça, eu acho que elas tem uma ligação entre elas.

A história da Läjä reúne material de todo tipo, para além da música: desenhos, colagens, fotos, pôsteres etc. Pode ser um exercício meio pedante, mas dá pra situar a importância disso tudo pro underground brasileiro?  

É bem escroto mesmo querer avaliar o seu próprio material dessa forma, você mesmo dizer qual a importância dele, acho que outras pessoas devem fazer isso, mas, acho que posso dizer sim, que esse material influenciou pessoas e bandas aqui mesmo no ES e fora do estado.  Posso dizer isso pelos inúmeros com links, mp3 e até cds que recebo de bandas que adotam essa estética e que assumem isso, me dizem até que estão fazendo “hardcore vila velha”.  Isso é legal né?  Lembrando que isso é muito natural, a maioria das coisas que a gente fez, aprendemos vendo os discos do Cólera, do RDP, aprendemos vendo as colagens do Dead Kennedys, seguindo a estética de gravadoras como a Recess Records dos EUA e da banda FYP, que são colagens grotescas, figuras com bonequinhos dos anos 50, 60, ou seja, tudo vai se influenciando e eu acho isso bem normal.

Percebi que há uma seção de games no site. Fale sobre essa nova área de atuação do conglomerado.   
Surgiu como tudo surge, na tosquera, com pessoas oferecendo pra mim.  Fez bastante sucesso na época em que saiu, fizemos matéria até pra TV sobre os games.  Agora estou num processo de passar isso pra ios pra rapaziada jogar no iphone, android, essas paradas, mas você pode imaginar a dificuldade que está sendo isso pra mim dentro da minha limitação de entender e aceitar essa nova tecnologia, mas tá rolando!!