terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Siba - Avante


Não sabemos ao certo os motivos que engrenam o motor criativo de um músico: seja no aspecto pessoal, nas descobertas técnicas ou no interesse mercadológico, há sempre um elemento de discussão, que no fim das contas acaba por tornar nebulosa a análise (eternamente dissecada) sobre as relações externas e o trabalho em si. Entretanto, quando o foco é a arte propriamente dita há possibilidade de encontrarmos   pontos importantes: Quando consumimos música e tentamos fazer um paralelo daqueles acordes com o cenário em que possivelmente habitam os versos e melodias ali presentes, estamos apenas especulando sobre a mente de outra pessoa. Mas é parte fundamental da música pop nos remeter ao mistério, à curiosidade e a busca por empatia. São elementos indissociáveis, porque das sensações é que são construídas grandes canções: Avante, disco do pernambucano Siba, é recheado de momentos sensoriais e instigantes. Embora seja estruturalmente diferente de sua obra até aqui.

Siba comandou a rabeca - e também a guitarra - do Mestre Ambrósio, grupo que alçado ao levante do manguebit no final dos anos noventa trouxe suas diferenças e suas qualidades: raspando o rock apenas para dizer que o forró, a ciranda, o baião e o maracatu soavam mais alto e mais forte. Para um urbanóide com dois pés na tradição e nas suas conexões, após a dissolução da banda Siba trabalhou em projetos que o levaram para longe - geograficamente - em busca de novos respiros: sua Fuloresta, que reuniu músicos de Nazaré da Mata (PE), local em que residiu, rendeu o disco Toda Vez Que Eu Dou Um Passo o Mundo Sai Do Lugar (2007). O músico também lançou um trabalho com o violeiro Roberto Corrêa - Violas de Bronze, em 2009. Saindo de uma cidade de trinta mil habitantes e retornando para as andanças das grandes cidades - até retornar a São Paulo, local que o acolheu anos atrás - Siba repensou não apenas a forma de realinhar suas ideias, mas permitiu que alguns desafios causassem algum tipo de reação: retomando a guitarra, as composições mais personalistas e uma estrutura quase tradicional de banda de rock: com grandes espaços a se preencher, imagino que Siba tenha se deparado com uma grande folha em branco, ao invés de trabalhar sobre um livro já rabiscado e esquematizado.Que tenha optado pela primeira é surpreendente e louvável.

A exposição de se colocar de forma distinta permitiu a Siba uma forma de criação que dinamizou as canções, que são montadas sob riffs costurantes, com bateria e tuba segurando o ritmo e teclados que se inserem de forma pontual. A produção, dividida entre o compositor e Fernando Catatau, é equilibrada ao não sugerir uma mão pesada em direção a um rock "quadrado". Preparando o Salto inicia o álbum com a já citada trama guitarrística, aliada aos versos fluidos e inteligentes; a quebra melódica e a confiança vocal de Siba, um crooner de bar de beira de estrada (no melhor sentido da definição) aquecem a alma: " Não vejo nada que não tenha desabado/Nem mesmo entendo como estou de pé.../Vou passar como um santo mudo/Mirando o alto, rindo/Preparando o salto/Deixando pra trás...tudo." É uma declaração de intenções, de novos horizontes e sobre encarar o medo. A letra reflete a melodia: forte, assertiva sem perder o lirismo e a beleza.

Ariana traz o romantismo que soa exatamente como algo nordestino - embora elementos percussivos tão pertinentes á ciranda e ao maracatu não estejam tão presentes - simplesmente por contar com uma tradição discursiva, de repentistas e da literatura de cordel transportados para uma combinação de letra/melodia mais uma vez efetiva, como um encanto em uma noite quente. A Bagaceira faz a tradução musical das intenções - ou pelo menos do resultado delas - de Siba: dialoga com o rock, com a música popular aka brega e faz o contorno pelo fraseado do Tinariwen. Canoa Furada eleva o volume da guitarra na introdução mas mergulha pelo universo referencial de Siba com um único respiro: não estaria fora de contexto em Amarénenhuma, ótimo disco lançado pela banda Nuda em 2011. Avante traz peso de guitarra na introdução em ritmo psych-rock-xaxado. As duas últimas músicas do disco são reflexões cheias de afeição  e os momentos em que Siba se mostra mais desarmado, frágil e capaz de sintetizar a vontade de mudar em forma de música boa: Qasida é um lamento nostálgico tracejado por um solo de Catatau que injeta maior contorno instrumental (e emocional); Bravura e Brilho é um carinhoso retrato do sentimento paternal e, ao mesmo tempo, da nossa própria consciência da efemeridade das coisas.

Avante abre o ano na música brasileira apontando para um caminho promissor: Reconhecido compositor e músico, Siba se propôs a reconstruir sua trajetória através do caminho mais arriscado: recorrendo ao passado não como fundação de uma nova estrutura, mas como elemento que ajuda a agregar partes da história, indeléveis, que percorrem uma linha imaginária do tempo. Linha intangível, de ligações múltiplas e digressões. Diante do desafio, é preciso coragem pra seguir adiante. Ou Avante, na palavra de Siba. 8/10

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