quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Steve Albini: Música, Indústria e Consumo



O produtor (ou engenheiro de gravação, como ele prefere) e músico Steve Albini esteve recentemente na Austrália, onde proferiu uma palestra muito esclarecedora sobre a relação da música com o público, a indústria fonográfica e as novas interações proporcionadas pela internet.

Albini, um veterano de pelo menos trinta anos no ramo, deixou claro seu entusiasmo pela "era da internet" na música, celebrando o barateamento dos custos de produção, a liberdade de distribuição e o contato direto com os fãs. Separamos alguns trechos importantes: 

"Os anos setenta até os noventa, o período em que estive mais ativo em bandas na cena musical - vamos chamar de era pré internet. A indústria da música era essencialmente a indústria de discos, em que discos e rádios eram os canais em que as pessoas conheciam a música e principalmente a experimentavam. Elas eram acompanhadas pela MTV e os vídeos nos anos oitenta e noventa, mas o principal relacionamento que as pessoas tinham com a música era através de música gravada."

"Mas gravar era uma aventura rara e dispendiosa, então não era comum. Até mesmo uma demo tape requeria um investimento considerável. Então quando eu comecei a tocar em bandas nos anos setenta e oitenta a maioria das bandas passavam por todo seu ciclo de vida sem uma única nota gravada."

"Estações de rádio eram enormemente influentes. radio era o único lugar para ouvir música e as gravadoras pagavam de acordo para influenciá-las. O jabá era ilegal, mas era expediente comum."

"Exposição internacional era extraordinariamente caro. Pra ter um disco seu conhecido no exterior, você tinha que convencer um distribuidor a exportá-lo. E era difícil que alguém ouvisse o disco e decidisse comprar. Então você acabava enviando cópias promocionais por um custo extremamente alto sem ter a certeza de alguém ouvir ou não."

“Vocês devem ter percebido que em minha descrição do mercado de massa da cena musical e da indústria pré internet eu quase não mencionei o público ou as bandas. Esses dois extremos do espectro praticamente não eram considerados pelo resto do negócio. Fãs deveriam ouvir o rádio e comprar discos, e as bandas deveriam fazer discos e excursionar para promovê-los. E isso era o máximo de consideração dada. Mas o público era de onde o dinheiro vinha, e as bandas eram de onde a música vinha."

“Através da internet, que mais do que qualquer outra coisa cria acesso as coisas, música ilimitada acabava se tornando disponível de graça. As grandes gravadoras não conseguiam ver como fazer dinheiro através da distribuição online então elas ignoraram, deixando os hackers e o público criarem um cenário de downloads. Pessoas que preferiam a conveniência do CD sobre os LPs naturalmente preferiram música baixada ainda mais. Você pode baixar ou fazer um stream ou ouvir no YouTube ou chamar seus amigos em message boards para eles mandarem um arquivo zip. Num piscar de olhos a música passou de ser rara, cara e disponível apenas em meio físico em lojas específicas para ser onipresente e grátis pelo mundo. Que evolução fantástica."

"Há muita sombra jogada pelas pessoas na indústria sobre o quão terrível é o compartilhamento de música, que é o equivalente a roubo, etc. É uma besteira. Eu quero que vocês vejam, por um minuto, a experiência da música pela perspectiva de um fã, pós internet. Música que era difícil de encontrar agora é fácil. Música que se aplica ao meu gosto, por mais esquisito que seja, está acessível a poucos cliques ou postando um tópico em um fórum. Dessa forma tive mais acesso a música que jamais imaginei. Com curadoria de outros entusiastas, desejosos de me manter ligado nas coisas legais; pessoas como eu, que querem que outras pessoas ouçam a melhor música existente."

"Agora veja as condições pela perspectiva de uma banda. Em comparação com o passado, equipamento de gravação e tecnologia se simplificaram e se tornaram plenamente disponíveis. Computadores agora já vêm carregados com software suficiente para fazer uma demo e lojas de instrumentos vendem microfones e outros equipamentos por um preço razoável... Essencialmente toda banda agora tem a oportunidade de gravar. E elas podem fazer coisas com essas gravações. Elas podem postar online em vários lugares; Bandcamp, YouTube, SoundCloud, seus próprios websites. Elas podem linkar em fóruns, Reddit, Instagram, Twitter e até nos comentários de streams de outras músicas. 'LOL,' 'isso é um lixo,' 'muito melhor,' 'morte ao falso metal,' 'LOL'. Ao invés de gastar uma fortuna em ligações internacionais tentando encontrar alguém em cada território para ouvir sua música toda banda no planeta agora tem acesso instantâneo e grátis ao mundo nas pontas dos dedos."

A transcrição completa do discurso de Albini foi publicada pelo Guardian (em inglês).


Nenhum comentário:

Postar um comentário