Muitos amigos e conhecidos que estiveram no festival Sónar descreveram com entusiasmo apresentações como a dos escoceses do Mogwai. Baseado em uma estrutura de camadas de guitarras e barulho muito alto, o som da banda deságua quase sempre em catarses melódicas. Artistas muito diferentes estiveram presentes no festival, quase sempre gerando reações entusiásticas na maneira em que manipulavam seu set/show e capturavam a atenção da plateia. Manipulação e catarse. Palavras que remetem a uma relação da neurociência com a música muitas vezes estudada. Quero recordar aqui um estudo canadense publicado no início de 2011 e que gerou um artigo denominado "
The Neuroscience Of Music", de Jonah Lehrer na revista Wired.
É sabido que a música (aquela que nos agrada) provoca diversas reações em nosso corpo: pupilas se dilatam, a pulsação e a pressão sanguínea aumentam, sangue é bombeado para as nossas pernas. Essas reações biológicas ocorrem quando aquele som maneiraço atinge nosso cérebro: nesse momento, há uma liberação de dopamina em duas áreas. Segundo Lehrer, essas áreas são comumente associadas a estimulações de prazer, não importando se "estamos fazendo sexo, cheirando cocaína ou ouvindo Kanye". O mecanismo é o mesmo.
A pesquisa canadense condensou, de um universo original de duzentas e dezessete pessoas que declararam sentir "arrepios" ao ouvir suas músicas prediletas, apenas dez indivíduos. Esses indivíduos puderam levar suas próprias playlists, enquanto seus cérebros eram examinados por modernos aparelhos de metodologia complementares. O resultado confirmou a ativação de substâncias no cérebro, mas uma variante da pesquisa trouxe a verdadeira surpresa; uma análise dos segundos que precedem a reação emocional demonstrou uma maior atividade dessas áreas, o que pode ser chamada de "fase de expectativa", uma forma que o nosso organismo encontra para nos prevenir do clímax que sabidamente apreciamos. Mas por que, segundos antes da "catarse", nosso cérebro libera ainda maior quantidade de dopamina? O estudo indica uma reação primitiva, uma expectativa por uma resolução ou satisfação, como a velha relação entre o sinal sonoro que precede a saciedade da fome de um cão, por exemplo. O fato é que o ser humano realiza sua condição de prazer na música não apenas em sua parte favorita, mas também nas que a antecedem (embora os canais de distribuição não sejam os mesmos, mas aqui não entraremos em detalhes técnicos).
Importante ressaltar que os pesquisados ouviram músicas instrumentais, de gêneros "virtualmente variados, de techno a tango". Mas não houve maior especificação: é claro que os ouvintes conheciam as canções, mas elas remetiam à passagens importantes de suas vidas pessoais? Formas de música menos circulares como o free-jazz foram contempladas? Qual a faixa etária dos indivíduos? Teriam idade suficiente para desenvolver um senso nostálgico em relação às músicas? O artigo de Lehrer não responde, mas a pesquisa está disponível
aqui - ao preço de 32 dólares. Como eu não paguei, não posso responder se os pesquisadores incluíram todos os detalhes. Acredito que sim. Uma das explicações para a reação de nosso cérebro seria uma natural tendência de tentar "solucionar" uma sequência de notas, ansiando pelo retorno do acorde familiar.
Voltando ao primeiro parágrafo, fica evidente que músicos também utilizam essa manipulação para criar reações em seus ouvintes. Talvez de forma empírica, são sabedores de como dosar uma sequência de notas que conduzirão a algum tipo de conclusão, levando o ouvinte em uma jornada que pode ser prazerosa. Do Mogwai ao Squarepusher, em diversos níveis, bandas trabalham em busca de criar estímulos. A recompensa pode vir através de um intrincado jogo de acordes e harmonias ou em um vulgar solo do U2.
A neurociência ajuda a destrinchar importantes reações de nosso corpo - portanto, resistentes a diferenças culturais - quando estamos expostos à música. Ainda assim, somente a combinação de pesquisas complementares poderia aproximar as reações emocionais humanas de algum veredito científico. Evidente que uma pesquisa como essa traz dados tangíveis de valia importante para os acadêmicos, e no mínimo curiosos para os leigos.Assim como as reações do entrelaçamento de substâncias químicas inseridas em um contexto mais amplo, tão comuns em pesquisas da metade do século passado. Mas como mensurar uma experiência realizada fora de um ambiente hermético, com variáveis indefinidas (companhia, ambiente, estado de humor, performance - nos casos de shows)?
Uma leitura rápida de posts no Facebook traz relatos emocionados, nesses últimos dias, com músicas de fontes díspares: o show "faringítico"da Gal Costa em São Paulo, Criolo levando dez mil em Brasília,
os experimentalistas Roger Turner e Urs Leimgruber entortando ouvidos ou o indie-rock do Franz Ferdinand em um parque abarrotado. Sem esquecer de todos aqueles que sozinhos em seus tocadores digitais e fones de ouvido vão tecendo seu caminho, rumo ao trabalho ou qualquer outro evento. Como compreender, para além das dopaminas da vida, o choro que aquela música, naquele exato momento nos traz? É essa intangibilidade da música, sob a perspectiva de quem ouve, que fascina e nos mantém não apenas felizes, mas aliviados pela existência de novos e velhos criadores.