quinta-feira, 17 de maio de 2012

Rodrigo Campos - Bahia Fantástica


A representação artística de um lugar imaginado ou uma experiência vivida traz inúmeras combinações, das mais óbvias às mais inusitadas.O compositor paulista Rodrigo Campos traz para seu segundo disco uma dessas combinações; no caso, de pouca obviedade e criação livre, executada com igual sintonia pelo time de músicos que o acompanham. Se o disco de estreia (São Mateus não é um lugar assim tão longe, 2009) era um compêndio de pequenos contos da metrópole desenhados pela singular leitura do samba, Bahia Fantástica abre uma janela para uma verdadeira imersão na diáspora africana, mais profunda e sinuosa. A assinatura de Rodrigo ainda está presente: fraseados curtos rabiscados, versos que aproximam o imagético do descritivo em rápidas passagens. Mas a riqueza e a densidade das doze canções do álbum surpreendem pela condensação de meticulosa execução e dinâmica ágil, de cores quentes. 

O time de músicos - Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, M. Takara, Thiago França e Maurício Fleury - possui um entrosamento e instinto fundamentais; mais do que espalhar timbres e uma parede sonora poderosa rodeando as composições de Campos, ajudou a construir de forma orgânica a concepção fundamental do disco. A viagem de Rodrigo à Bahia resultou em um insight em que disparidades geográficas (há espaço para a citação de elementos paulistanos como Jardim Japão e trens da CPTM dentro das "baianidades" dos temas) não impedem a circularidade da narrativa, centrada menos em descrições e mais voltadas ao campo sensorial, da sensualidade e desejo, do espiritual e da lembrança insistente de um lugar distante. O desenho musical desse cenário é um constante diálogo entre a música africana e suas vertentes nas Américas: da sinfonia funk-soul e do jazz estadunidense ao caráter percussivo dos trópicos, dentro de canções de melodias bem definidas.

Cinco Doces despeja o clima de mistério e sensações do álbum, entre a quietude e o ataque instrumental da banda. É a marcação do compasso e da visão expansiva de Rodrigo para todo o trabalho, mas é também apenas um exemplo do que virá pela frente. Princesa do Mar traz a figura de Andreza, "maluca/ chegou na praia hoje/ pequena iemanjá"; quando a música foi apresentada no show de lançamento do álbum do Passo Torto (projeto de Rodrigo, Kiko Dinucci, Romulo Fróes e Marcelo Cabral) ainda despida de arranjos e percussão aqui apresentados, não possuía o calor emanado no disco. O que torna Bahia Fantástica tão relevante é a fluidez apresentada, em que cada acorde ou intervenção é feita de forma adequada, evitando que a técnica dos instrumentistas traga exageros recorrentes ou alguma repetição de clichês afrobeat . Dessa forma, há espaço para sutilezas perceptíveis apenas em repetidas audições; a delicadeza de Ribeirão, com participação de Criolo nos vocais e a guitarra costurante de Dinucci; a imersão narrativa de Jardim Japão, cantada por Juçara Marçal e o sopro de Thiago França duelando com a percussão de Takara; as camadas e tecidos sonoros de General Geral, em que os teclados de Fleury e arranjos de cordas de Marcelo Cabral formam uma espécie de névoa, em que Rodrigo navega com elegância.

Bahia Fantástica é um disco nascido de imagens e sensações, capturadas com rara inspiração e equilíbrio. Trabalhos meticulosos muitas vezes derrapam em execuções demasiadamente engessadas: o balanço final de um conceito recheado de referências como esse disco, no entanto, é a prova de que é possível realizar com leveza a tarefa de exercitar uma música que dialoga naturalmente com suas influências mais profundas. Um dos mais belos discos brasileiros de 2012 até agora. 8/10  
            

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