Escrevo de uma lan house da região central de São Paulo. Entre outros guris ruidosos e excitados por games, um magrelo sentado ao meu lado só quer saber de cantar. Ou melhor, rimar: o som dos fones não vaza, mas reconheço clássicos de Sabotage, Racionais, RZO e DMN. Mas ele se entusiasma também com Emicida e Projota. Ele passa meia hora no flow, depois larga o fone felizão. Se junta aos camaradinhas no arcade, diz que volta amanhã pra mais uma rodada de sons.
Antes de sair, questiono o moleque: "E aí, não escreve som próprio não?". Ele responde que "rabisca", e treina o flow com seus ídolos. Tá juntando grana pra investir em um PC "que não seja podre como o meu" e uma MPC, mas tá osso. O Mateus, aka Grélo, nome e alcunha de nosso personagem tem 15 anos. Aprendeu a curtir rap com os amigos e respeita os "monstrão clássico", mas é grande fã do Emicida. Pergunto sobre outros estilos musicais, mas ele diz que "nem ouve essas coisas".(rock,sertanejo). De vez em quando rola um funk, samba é só o pai que ouve. Grélo se despede porque tá atrasado. Valeu.
Me pergunto quantas publicações no Brasil se preocupam em mapear essas diversas manifestações puramente juvenis de gosto, apreciação e desenvolvimento de ideias. Mais além, como o poder público ignora demandas culturais de jovens como esses. É claro que cito aqui um caso tão exclusivamente urbano, paulistano, e portanto tão pequeno em relação às inúmeras combinações semelhantes pelo país. Porém o rap é um das formas mais relevantes e eficazes de espelhamento de realidades que, de forma ou outra, são reconhecidamente importantes. Não é auto-ajuda, não é apologia, nem tampouco apenas diversão. Para garotos como Mateus, é uma forma de se enxergar, não se sentir sozinho, refletir sobre sua realidade e encaixar algumas emoções contraditórias. Impulsionar tudo isso em forma de batidas e rimas. É enriquecer a alma e a mente. E incendiar uma revolução possível.
Enquanto isso, o gênero vai se movimentando de forma esguia, na expectativa de impor naturalmente um apelo agregador. Mas essa etapa mais diversificada também coloca muitos obstáculos: para enfrentar despreparo da mídia, bajulações e aproximações oportunistas será preciso inteligência. E a resposta não é linear, é apenas um conjunto de opções que vão se apresentando, caminhos a percorrer. Erros serão cometidos, mas a essência combativa do rap não pode ser sacrificada. E o combate se faz não apenas com palavras de ordem, mas com criação e questionamento.Enquanto blogueiros-celebridades-movimento-cansei continuarem a cometer erros factuais grotescos e análises que desrespeitam a inteligência de seus leitores quando falam sobre rap, garotos como o da lan house do Cambuci continuarão a desprezá-los. Mas eles sabem que a tag mágica "rap nacional" gera cliques. Ou de quem curte, ou de quem prefere nem ouvir.
Quem produz a arte precisa saber quem são seus detratores e puxa-sacos ocasionais. E seguir criando, usando como combustível esse racismo inegável, essa insistente continuação de relação de classe "nós aqui, vocês lá". A Lurdez da Luz, que já ilustrou um texto de repercussão por aqui, com seu som novo mais eletrônico marca mais um ponto positivo: é combativa, evoluiu ideias e encorpou elementos já presentes: o que ela diz é a real: temos que viver, e não apenas sobreviver.
Quem produz a arte precisa saber quem são seus detratores e puxa-sacos ocasionais. E seguir criando, usando como combustível esse racismo inegável, essa insistente continuação de relação de classe "nós aqui, vocês lá". A Lurdez da Luz, que já ilustrou um texto de repercussão por aqui, com seu som novo mais eletrônico marca mais um ponto positivo: é combativa, evoluiu ideias e encorpou elementos já presentes: o que ela diz é a real: temos que viver, e não apenas sobreviver.
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