Se Sweet Jardim, debut da cantora e compositora Tiê foi ganhando admiradores de forma orgânica desde 2009, seu segundo album já representa um passo adiante para a geração que nasceu batalhando espaço na cena independente. O estilo minimalista, melódico e delicado daquele disco chamou a atenção para a capacidade de Tiê para compor pequenas peças cativantes. Vamos fazer um faixa a faixa de A Coruja e o Coração: novamente produzido por Plínio Profeta, dessa vez a abrangência sonora é bem maior do que no quase lo-fi Sweet Jardim:
Na Varanda Da Liz
Conduzida pelo piano e pelos arranjos de cello que remetem a um leve aceno ao pop setentista, a canção soa ensolarada e afetuosa, com uma atmosfera mais quente. Uma abertura que serve de exemplo para a sequência do album, entregando novos elementos mas mantendo a leveza característica.
Só Sei Dançar Com Você
Arriscar uma versão de Tulipa Ruiz pode parecer uma insistência na auto-referência da tal cena paulistana, ou coisa de panelinha. Mas Tiê não deve ter tido tais preocupações: seu modus operandi não parece contemplar esse tipo de atitude. O que temos aqui talvez seja a melhor forma de dizer que há diferenças marcantes entre os trabalhos, embora a música seja boa o suficiente para merecer uma releitura: com bateria marcante de James Muller, banjos e violões e a sanfona de Marcelo Jeneci, Tiê se distancia da rotulação preguiçosa que emenda os "novos paulistas" em uma só massa.
Piscar O Olho
Para os adoradores de canções mais folk e quietas, Piscar O Olho se aproxima das músicas mais antigas: entretanto, a atmosfera é menos melancólica. Com refrão marcante, aqui vemos outro truque de Tiê: pode até soar fofinha, mas há espinhos espalhados na letra: " E eu fiquei tão grande/e mastiguei meu coração...as vezes é mais saudável chegar ao fim"
Perto E Distante
O centro gravitacional do album: talvez a melhor composição de Tiê, uma canção que queima lentamente e cresce com trompetes, o Wurlitzer de Jeneci e uma reflexão um pouco mais profunda sobre as relações.
Pra Alegrar O Meu Dia
Como uma maneira de equilibrar o ambiente mais denso de Perto e Distante, um número folk pop recheado de banjos, corinhos e letras mais bem humoradas: "Já que não te tenho por perto/eu vou tomar um sorvete/pra alegrar o meu dia."
Já É Tarde
Mais vaporosa, é uma crônica de desejo e esperança. Discreta mas efetiva, num joguete de expectativa e receio, levada por arranjos leves.
Mapa-Múndi
Música de Thiago Pethit. Mesma análise sobre a versão para a música de Tulipa Ruiz: Tiê admira a belíssima melodia e a recria de forma a demonstrar que há respiros, nuances, que ficam evidenciados na entrega e que distinguem as esferas de trabalho entre eles.
For You And For Me
Quando acompanhada por menos aparatos, Tiê mostra que é capaz de soar efetiva com uma voz delicada. Sem bateria nem percussão aqui - assim como em Sweet Jardim.
Hide And Seek
Clima country-pop para essa canção de título em Inglês e letra em Português. Ao invés de lamentar romances perdidos, a cantora afirma que "vai buscar e procurar" o objeto de seu interesse.
Você Não Vale Nada
Ao regravar o sucesso popular do Calcinha Preta, Tiê demonstra sua audaciosa porém verdadeira atração pela música: alguns dirão que há ironia, outros reclamarão da escolha e ainda haverá ponderação sobre a "forma aprimorada" de se recriar um hit do povo. Quero acreditar que, o que ela enxergou foi apenas uma boa composição. A letra derramada e o violão flamenco dão a esquentada, enquanto a voz suave da cantora faz o contraponto exato para o equilíbrio final.
Te Mereço
Usando acordes similares á Te Valorizo, do disco anterior, o album se encerra de forma mais quieta, levada ao piano e uma letra bem elaborada.
Conclusão: A Coruja e o Coração é um disco ainda melhor do que o elogiado Sweet Jardim: não apenas por ser mais completo e abrangente no acompanhamento instrumental, mas por demonstrar a capacidade de uma compositora em se posicionar de forma segura: Tiê escreveu músicas mais impressionantes para esse disco, de cores mais quentes; Sweet Jardim era intimista, frágil e cativante; mas A Coruja... expande ainda mais a criatividade das letras - agora ainda mais intuitivas, sem desmanchar a leveza que fez fãs nos ultimos anos; incluindo a possibilidade de expandir suas canções para o chamber pop, o flamenco, o rock e o folk setentistas. Discreta, ela sabe que pertencer a grupos ou explicar nuances do processo de composição são dispensáveis: seus pequenos retratos instantâneos das relaçoes humanas dizem tudo que precisamos saber. 8/10
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