Sinceramente, há momentos em que, por maior que seja o seu amor pela música pop, escrever sobre ela se torna difícil. Porque nem sempre temos como superar a mais elementar das dificuldades: buscar inspiração. Pra escrever um texto puramente descritivo, basta não ser preguiçoso. Mas para transportar a experiência da audição de um album ou canção para um punhado de palavras que façam sentido, aí precisamos de inspiração. Pode ser simplesmente a repulsa por mais um lançamento da velha MPB, rodeada de amizades e mediocridades e adulação, ou uma descoberta preciosa, esse sentimento é que te leva a escrever. Quando voce trabalha com uma pauta de dez discos para escutar em poucos dias, é bem provável que opte pelo caminho seguro de um texto mais neutro e simples. E sem inspiração, obviamente.
Para além disso, há tambem a situação de estar situado no mundo: a música pode ser a válvula de escape mais bem utilizada para que a alienação nos faça felizes, mas fica difícil não ser abalado quando a brutalidade, a ignorância e a indiferença fazem parte do seu dia a dia. Gente sendo tratada como lixo e tragédias rotineiras começam a ter um efeito tóxico, aniquilando qualquer inspiração.
Mas eu cheguei até aqui, muito graças a Build A Rocket Boys!, quinto disco dos ingleses do Elbow. Sim, noites insones e revolta coletiva contra atropeladores, racistas, panelinhas corporativas, indies esnobes e lixos humanos á parte, esse disco me colocou em condições de escrever. E isso pode significar mais do que a própria resenha. Talvez seja apropriado descrever que a banda sempre foi muito apreciada por aqui durante toda a década passada. Seus quatro discos anteriores são todos no mínimo bons, e combato aqui as principais críticas em relação ao Elbow: som pomposo, devagar, piegas e com integrantes feios. Sim, já li tudo isso sobre eles.
Quanto ao som, o Elbow faz sim um rock mais lento, com boa atenção aos arranjos, andamentos, e construção poética. Daí a ser pretensioso e chato é uma longa distância. O Libertines era tosco e muito mais pretensioso. Guy Garvey não é o seu indie boy típico porque é mais velho, desajeitado, gordo e brutalmente sincero. Tudo que o Julian Casablancas estabeleceu como cool na década de 00, Guy Garvey é o oposto disso. Ele nem pode dizer que é de Nova Iorque. Nem de Manchester, porque eles são de uma região próxima ainda mais fim do mundo.
Build A Rocket... não difere muito dos discos anteriores. Aparenta ser o trabalho de um grupo confortável em seu ambiente, sabendo de seus limites e trunfos, aprofundando lentamente a experiência sonica. Entre as construções melódicas delicadas, músicas de pegada mais rítmica (eles são ótimos músicos, versáteis) e a poesia de Garvey. Mestre em montar imagens de emoções vividas sem soar óbvio ou demasiadamente auto depreciativo, o vocalista sabe ser até mesmo engraçado em alguns momentos. Duas músicas no disco mostram essa volatilidade: Dear Friends é um canção forte em forma de delicadeza e High Ideals balança com a linha de baixo marcante.
Garvey, apesar de o Elbow ser relativamente bem sucedido nas vendas no Reino Unido, não dá a mínima pra última sensação. Não escreve sobre o que é conveniente, nem para as rádios. Conhecido por não ser um sujeito radiante, se diz mais feliz hoje. Mas descobriu que escrever sobre a felicidade é muito mais chato. Então ele olhou para outros cantos para compor o disco. Lippy Kids é uma forma de combater a imagem que a parcela mais conservadora da sociedade inglesa faz dos jovens: são apenas delinquentes idiotas para eles, são "freshly painted angels walking on walls" para Guy Garvey. Neat Little Rows, o primeiro single, possui um típico andamento bem marcado e refrão mais bombástico. Talvez seja esse o album mais balanceado da carreira do Elbow, no sentido de que as canções se sucedem em ordem adequada e essa inclinação mais prog-rock não cansa o ouvinte.
The Birds, insinuante e bela, é possivelmente a composição que o Radiohead estaria fazendo hoje se não pertencessem a um outro mundo: grandiosa, mas não pernóstica. Então basta dizer que, bem, fui salvo pela milionésima vez pela música. E o que um cara como o Guy Garvey tem a oferecer? Somente sua voz, suas letras e uma banda bacana. É isso contra toda a merda - de música e de babaquice - que a gente vê por aí. Funciona pra mim. Construí um foguete, mesmo. 9/10
Gostei do texto. "Bild a Rocket Boys" me remeteu diretamente ao segundo disco da banda "Cast of thousands". Parabens pela inspiração...
ResponderExcluirMas o nome do nosso vocalista é Guy Garvey, e não Harvey.
até..
Corrigido. Alan, maldita dislexia rsrs. Valeu pela leitura :)
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