sábado, 26 de fevereiro de 2011

O novo disco do Wado promete...

...E o próprio compositor alagoano/catarinense explica melhor sobre esse encontro do samba instrospectivo com o famoso sintetizador Roland TR-808 no vídeo abaixo:


E já que ele fala sobre "músicas bonitas", aí vai uma delas: Pavão Macaco, do album Atlântico Negro

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Criolo Doido e os limites da arte periférica


Um fato comum na música independente brasileira - e a de São Paulo é o foco aqui- é a divisão entre os artistas de classe média e os da periferia. É certo que em dado momento há o encontro de públicos, mas somente quando a arte periférica começa a extrapolar os limites dos extremos geográficos da metrópole. Quando um Emicida consegue ganhar espaço em redutos dentro do "centro expandido", ele já caminhou arduamente e já é figura carimbada na perifa. Esse "delay" intriga exatamente porque hoje em dia é possível ter acesso a música de forma mais democrática.

Dito isso (e sabendo que a discussão geraria um texto bastante longo), há uma expectativa grande por parte desses mundos segregados pelo disco do Criolo Doido. Mais um produto da zona sul paulistana, o bairro do Grajaú, Criolo não é apenas rapper. O cara, assim como outros nomes do hip hop, é educador social, engajado na inclusão cultural da molecada local, capaz de construir e ouvir referências musicais diferentes, criador da Rinha dos MC's - duelo de rimas mais renomado em São Paulo, já participou de filmes...

O disco cheio do Criolo sai em Abril e é produzido por Daniel Ganjaman (um dos alquimistas do Instituto) e Marcelo Cabral. Precedendo esse trabalho, foi lançado o single em vinil Subirusdoistiozin/Grajauex. Prestes a romper definitivamente qualquer barreira, ouça aí embaixo as duas músicas citadas, mais um trecho da linda Não Existe Amor Em São Paulo, mostra da versatilidade do Criolo; Veja também a versão dele para Cálice, de Chico Buarque e Milton Nascimento, mostrando a percepção musical variada que se reflete em seu som.

* Agradeço a Tatiana Ivanovic e seu ótimo site DoLadoDeCá, que serviu de fonte para muitas informações do texto.


Criolo "Subirusdoistiozin" by danielganjaman

Criolo "Grajauex" by danielganjaman

Criolo "Não Existe Amor em SP" by danielganjaman

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Jennifer Lo Fi - Noia + Entrevista


O quarteto paulistano Jennifer Lo Fi está lançando seu terceiro EP, Noia. Já falamos deles por aqui antes, e a expectativa para esse novo disquinho era muito boa. Trabalhando seus experimentalismos com uma base de psicodelia, pós rock, math rock, estão conseguindo se desvencilhar dos cabecismos e atalhos fáceis desses sub gêneros: a música do grupo é baseada em pegada rock e climas sombrios, o resto é rótulo.

Noia evidencia a evolução contínua e o trabalho em progresso dos caras: sem arestas, direto e limpo, algumas qualidades escondidas começam a surgir de forma mais escancarada. Listando: as letras em português são bastante interessantes, repletas de versos afiados; o que nos leva aos vocais de Sabine Holler, que usa seu vasto repertório vocal agora de forma ainda mais eficiente; os instrumentos soam mais límpidos e as tramas intrincadas agora parecem mais econômicas, porém bem colocadas. A produção de Chuck Hipolitho percebeu as vantagens de se jogar luz sobre esses trunfos.

Antes uma promessa de músicos de talento buscando uma maneira de traduzir sensações em rock de pegada forte e quebrada, a Jennifer Lo Fi já soa quase preparada para um disco cheio, embora isso talvez demore um pouco mais a acontecer (confira a entrevista abaixo). Pra mim, tirando as definições gastas, Noia é sobre amor, ódio, confusão e sexo: exatamente o que se espera de jovens bandas. 8/10


Faça o download do EP pagando com um tweet aqui.


A vocalista Sabine Holler falou com a gente:

Me parece que a cada EP a banda mostra realmente uma lapidação, uma melhoria em relação ao anterior. Essa evolução gradual foi planejada?

Lógico que não, a banda está fazendo três anos agora, quando começamos ainda estava na escola! Acredito que a evolução vai acontecer a cada trabalho porque nos preocupamos com isso. Queremos evoluir e não ficar estagnados em algo por soar bem, somos bem ambiciosos.

Voces nunca esconderam a admiração pelo Mars Volta, mas Noia soa ao mesmo tempo mais direto, objetivo e autoral. Ainda dá pra dizer que eles são influentes no som atual da Jennifer Lo Fi?

Ainda são bem influentes, podemos dizer que Bacon é a faixa com mais influencia. Mas procuramos escutar coisas diferentes o tempo todo pra não ficarmos presos a algo específico.

Sua voz sempre se destacou quase como um instrumento a mais no som, uma fonte de catarse tanto quanto os solos de guitarra. Em Noia ela soa mais equilibrada, ainda que forte. Como funciona o processo de composição numa banda que possui uma música tão embasada em climas e cenários instrumentais?

Todos os músicos da Jennifer Lo Fi são compositores, existe uma espécie de rodízio entre a gente para sabermos qual vai ser a música de trabalho. Depois que alguém apresenta algo o qual todos nos identificamos, começamos a trabalhar na música nos ensaios, começando sempre como forma de improviso. A letra, ao menos que a composição seja minha, eu agrego sempre no final, quando o instrumental da música já está pronto, mas durante as "jams"de composições experimento melodias e as vezes efeitos vocais e sempre procuro inspiração nas próprias melodias.

As letras em português foram um caminho natural? Porque muita gente diz que é mais difícil escrever e cantar em português...

Sim, foi mais uma evolução que passei que se refletiu na banda. Cantar em português é bem mais difícil, e torna o significado de tudo mais forte também.

Em relação ao disco de estréia: o que podemos esperar?

Ainda não estamos pensando em um disco. Vamos gravar mais um EP este ano. Queremos trabalhar ainda mais o som da banda para um disco de estréia mais consistente!


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Nana Rizinni - Triste (Video)


Com um disco no forno pra sair, a compositora e instrumentista (baterista "de formação") Nana Rizinni libera mais um vídeo de seu disco de estréia. Conhecida na cena paulistana, Nana deve seguir caminhos maiores, após o lançamento do seu EP Bacon And Eggs, de 2009. A música mostra um lado mais intenso e diverso da vocalista, aumentando a expectativa pelo disco cheio:

Puro Instinct - Headbangers In Ecstasy


Já bombamos essa banda californiana aqui antes, e agora chega a hora da resenha do disco de estréia. E não estamos decepcionados com Headbangers In Ecstasy. As irmãs Kaplan podem chamar a atenção para a imagem de loiras californianas hipsters (explorada na capa do disco), mas há algo além de imagem na fórmula do Puro Instinct. Associadas á Ariel Pink, alquimista do som psicodélico-onírico americano, o disco é bastante coerente.

A vibração usada pelas irmãs é a de traduzir em música um tipo de imagem da Califórnia vista através das janelas dos carros, ouvindo rádios sintonizadas em soft rock. On drugs. Há uma certa falta de técnica para a construção de harmonias como a de um Beach House, por exemplo. Piper, a irmã mais velha, canta de forma chapada e doce. Skylar, a adolescente guitarrista, simplifica tudo ao trabalhar os riffs com delicadeza em Stilyagi. A repetição e os ganchos melódicos setentistas ganham dimensão com a forma quebrada da estrutura; algo entre a angularidade do pop britânico dos anos oitenta (embora elas adorem o pós punk tosco soviético) e os shoegazers menos as distorções.

Escape Foverer injeta alguns metais distantes mas o ritmo permanece como uma onda pouco oscilante, e aí Piper carrega a melodia com qualidade. Algumas vinhetas estão inseridas pelo álbum como a introdução de um DJ de alguma rádio ao som ácido da banda . Vapor Girls soa exatamente como o nome sugere: imagine a loirice das Skylar em uma brisa vaporosa, desvendando a beleza em pequenas brechas. Voce pode até se lembrar que o Warpaint é da região e caminha mais ou menos por esse caminho. Sinceramente, o Puro Instinct mija nas garotas do Warpaint, desculpem o linguajar. Aceite esse doce, vai bater; eu prometo. 8/10


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Frankie And The Heartstrings - Hunger (+ Violent Femmes)


O Frankie And The Heartstrings é uma banda inglesa de Sunderland, e seu disco de estréia Hunger está saindo agora em fevereiro. O álbum fica balançando entre referências oitentistas com alguma pegada mais garageira e sujinha. É como se os caras resolvessem dar vida ao Dexy's Midnight Runners ou o Orange Juice ou mesmo o Felt. Uma versão inglesa de uma banda americana nova que soa inglesa: The Drums. Hunger não funciona o tempo inteiro porque o vocalista ás vezes é histriônico e as referências são tão preguiçosas que resvalam no plágio - o motivo exato de Blister In The Sun, que óbvio, já utilizava elementos e quebras melódicas antigas, estar aqui no texto. A banda Violent Femmes, mais uma dos anos oitenta, de alguma forma criou uma espécie de clássico daquela década, portanto serve como referência. Tender, do Frankie And The Heartstrings chupa quase todos os truques do Gordon Gano. Mas nem tudo é imprestável nesse debut: quando as guitarras e a energia frenética de Frankie se encaixam, o objetivo de soar contemporâneo e divertido é alcançado.





Exemplos de bons momentos abaixo: Fragile é simples e bonita, faria Kevin Rowland orgulhoso. Hunger é agitada como uma música dos conterrâneos Futureheads com um delicioso gosto pop demente. Irregular, como a própria cena de "indie rock" britânica nos últimos anos. 6/10



terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Nuda - EP (2011)


Do Recife é essa banda, que lançou agora no começo do ano seu novo EP (Menos Cor, Mais Quem (EP) e o single Maruimstad precederam esse trabalho). Fatos: são três músicas apenas, e o álbum de estréia do grupo deve sair em breve. É mais um teaser do que está por vir. Dizer que a música desafia rótulos pode indicar tantas coisas que acaba sendo injusto com o leitor; é um som sem direcionamento? Ou é "cabeçudo"? Mas também pode ser inteligente, livre...

A Maré Nenhuma é um início perfeito: de melodia e letra bonitas, singela e efetiva em sua simplicidade aparente. Prestem atenção á boa amarração de elementos, riffs e crescendos. Além do apelo pop, há algum tipo de elegância - não pomposa - permeando a canção. Como uma maneira de contrabalancear o encantamento, Em Nome Do Homem é uma lamentação sobre a brutalidade tocada de forma áspera: como se Beefheart resolvesse aparecer de surpresa e apimentar um pouco as coisas. Encerrando com a inspirada Ode Aos Ratos, aqui a banda aparenta menos ousadia na forma, mas as guitarras trabalhando e tracejando a melodia que ameaça brilhar demostram que nem mesmo um aparente rock urgente é apenas isso mesmo por aqui.

Aguardemos, então, o que a banda Nuda nos entregará em seu disco de estréia. Não ouso rotular e nem desejo empacotar esse som em algo parametrizado, justamente porque parece de uma força maior e mais pungente. 7/10

Nuda - 01 - A mare nenhuma by eduardoyukio

domingo, 13 de fevereiro de 2011

PJ Harvey entre a brutalidade e a esperança: Let England Shake


Let England Shake, o novo disco de PJ Harvey será oficialmente lançado lá fora terça-feira ( 15/02 ), embora já tenha vazado há alguns dias. Trazendo novamente um contraponto em relação ao seu trabalho anterior, o novo álbum trata de questões sociais e políticas - White Chalk era bastante intimista, sobre conflitos pessoais e de instrumentação minimalista e fria - embaladas por instrumentação mais variada e melodias simples. Mas, essa é PJ, amigos: as letras não poderiam ser mais cruas, citando morte, melancolia e situações de guerra e conflito. A cantora concedeu entrevista para o jornal britânico Guardian. Separamos aqui momentos importantes. Entrevista do repórter Ben Beaumont-Thomas:

* Sobre White Chalk ser mais pessoal e Let England Shake mais ficcional

"Como compositora, nunca escrevi de forma autobiográfica. White Chalk não era sobre mim. No entanto, sempre me interessei sobre como seres humanos se relacionam. Dá pra dizer que sempre me interessei, nos outros discos e nesse também. A maneira como nos tratamos é o resultado de tudo: Tudo desde um conflito mundial até como um homem e uma mulher se tratam em um relacionamento"

Ainda estou explorando isso: e estou usando o método de contar estórias, e me colocando em diferentes vidas e perspectivas...Voce tem que ter essa capacidade, de se colocar em uma situação diferente, ou muitas situações diferentes...Claro que voce estará limitado a suas próprias experiências, não há como eu vivenciar tudo que eu gostaria de escrever a respeito"

* Processo de criação de Let England Shake

Me levou muito tempo para escrever as letras, que aliás eu escrevi de forma totalmente separada da música, porque eu sabia que para lidar com assuntos tão pesados, as letras tinham de ser boas e fortes em primeiro lugar, senão todo o resto seria um desastre. Então eu levei dois anos e meio, três anos para juntar um material forte o suficiente...Eu sabia o que eu não queria fazer, que era soar muito dogmática, pomposa, em relação e temas como os conflitos de hoje em dia. As letras já possuem tanto peso que não precisavam de um acompanhamento pesado, então eu sabia que a música teria de ser enérgica, leve, empolgante...Eu sabia que meu desejo era que as letras pudessem ser possivelmente cantadas por muitas pessoas. Eu me concentrei na voz primeiro.Eu não toquei um instrumento até encontrar o tom de voz para cada letra, que não tinham nenhum ritmo embutido. Novamente, eu queria que a natureza da melodia tinha que ser simples, porque tinha que ser memorável,para que pudesse ser passada de uma pessoa para outra facilmente. Por isso, o resultado final foi esse tipo de som, como canções de ninar, ou bastante tradicional como uma música folk ou um hino, que são memorizáveis, simples, repetições.

* Raízes folk no novo trabalho

Eu estava bastante interessada em música folk tradicional durante o trabalho para esse disco. Eu me concentrei em músicas folk muito, muito velhas, ancestrais, de muitas nações diferentes: do Iraque, do Afeganistão, Cambódia, Vietnã, Irlanda, Escócia, Inglaterra. E quando voce volta naquela época, era sobre contar estórias, viajando de uma província para outra, basicamente a respeito das notícias. Cantando as notícias de uma região para outra. Isso foi antes da imprensa escrita. Mantive isso na minha cabeça: música era a respeito de comunidades, territórios.

* Influência árabe num disco sobre a Inglaterra ( há um sample de uma música cantada por uma iraquiana na canção England)

A música em questão é uma antiga canção curda, cantada por uma iraquiana, e é uma música de amor. Eu fiquei tão emocionada de ouvi-la cantar, que eu quis amarrar, de alguma forma, essa música com aquela em que eu estava escrevendo, que era uma canção de amor a um país. Poderia juntar essa iraquiana e essa inglesa cantando suas love songs.

* Sobre ser patriota ( o disco trata a Inglaterra de forma dúbia, ora amando suas paisagens,ora dizendo que deixa um "gosto amargo na boca")

Depende de como voce interpreta "ser patriota". Eu não diria que sou patriota, porque não estou certa sobre o que isso significa. Claro, sou uma mulher inglesa vivendo na Inglaterra, mas eu queria que o disco fosse sobre seres humanos e suas emoções, não importando o lugar. Então esses sentimentos de amor e ódio, de desesperança e esperança, nós temos em relação aos países em que nascemos e vivemos. Eu espero ter usado palavras que, não importando onde a pessoa more, ela possa reconhecer esses sentimentos em relação ao seu país.

* Relação entre a composição e como será interpretada pelo ouvinte

Eu sempre evito descrever minhas intenções por trás do trabalho, porque quero que a pessoa ouça e faça sua própria interpretação disso. E acho que essa é a beleza da música, porque alguém escreve, mas uma vez que está lançada, cada um fará dela o que desejar .

* Um novo começo

Eu sinto que acabei de começar. Nesse disco apenas tive a confiança necessária para escrever sobre o mundo em que vivemos, sem cair nas armadilhas que já descrevi. Agora eu acho que descobri o jeito de usar as palavras para falar sobre o mundo atual. Provavelmente seguirei nesse caminho, porque é tão novo pra mim. E tudo muda todos os dias, é um material de fonte inesgotável . Então esse disco é um início de um novo capítulo.

* Otimismo ou pessimismo? ( O disco, como já citado, possui letras que servem como a descrição de um cenário violento e injusto)

Eu me considero otimista e sempre tenho esperança. Eu sempre carrego esperança na capacidade para mudança nas pessoas. Dito isso, não tenho a cabeça nas nuvens e ignoro coisas óbvias, comoo fato de estamos em tempos difíceis. Voltando á música, sim, concordo que há imagens brutais no disco, que representam o mundo de hoje, que é um mundo brutal, então eu precisava usar esse tipo de imagem. Mas ao mesmo tempo há muito amor nele, há muita esperança, e beleza, e natureza. Então eu tentei equilibrar isso tudo, assim como todo dia é ambientado assim, com a sensação de medo e então algo maravilhoso acontecendo. Todo dia há o bom e o mau momento.

Essa é uma tradução livre e não a transcrição completa da entrevista, que pode ser ouvida aqui.

PJ fará uma apresentação das músicas novas em Paris amanhã (14/02), e transmitirá via streaming pelo seu site oficial.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Entrevista: Blubell


Uma das apresentações ao vivo mais bacanas que assisti nesse ano foi sem dúvida o show de lançamento do segundo disco da Blubell no Sesc Pompeia, em São Paulo. Eu conhecia o disco de estréia da cantora-compositora, e sabia que o novo album tinha uma raiz muito mais próxima do jazz. Fiquei curioso. Conhecendo o repertório de novas canções ao vivo, (ouvi o disco nos dias subsequentes-resenha aqui) tive a impressão de que aquela cantora promissora havia passado por uma libertação de certas amarras: com domínio de palco, uma boa banda e um punhado de músicas fortes, teve o público nas mãos principalmente por seu potencial. Blubell gentilmente nos concedeu uma entrevista em que fala sobre as diferenças entre seus dois álbuns, o amor pelo jazz e que está disposta a " dormir em van e viajar" pela carreira:

Houve um período longo - para os dias de hoje - entre o primeiro e o segundo disco. Foi uma decisão de se reorganizar?

Não. Na verdade estava tentando gravar esse disco desde 2008. Trabalhei com alguns produtores, mas a coisa não engatava. Depois de uma temporada de seis meses morando no Rio, voltei pra São Paulo e decidi chamar os meninos do quarteto (com que eu já trabalhava há três anos cantando standards do jazz) para fazer shows do meu trabalho autoral. Foi aí que tudo começou a dar certo e apareceu o convite da Yb pra gravar.

Algum receio de perder o "timing" do pessoal da nova geração durante esse período?

Sabe que não? Até porque a cada ano vai ter sempre um time novo saindo...Esse ano vamos ter lançamentos de discos como o do Pipo Pegoraro, do Dudu Tsuda, do Dan Nakagawa e do Pélico. Prestem atenção nesses nomes...

A vontade de se aproximar do jazz definitivamente foi fruto de alguma inspiração em particular ou já era algo que voce planejava?

Planejar, nunca planejei nada. Eu sempre ouvi jazz. Muito por culpa do meu pai, que sempre foi um ouvinte ávido de jazz e tem uma coleção de vinil de dar inveja a muito DJ...Costumo dizer que brincava de Barbie ouvindo Charlie Parker. E é verdade. Meu primeiro disco, Slow Motion Ballet, já tinha composições que tendiam para o jazz, mas isso não ficou aparente porque a produção dele era rock. Foi um disco onde eu não pude ter muita voz ativa. Era aceitar aquilo ou nada. No final valeu a pena...Até mesmo pro meu aprendizado.

Como é seu processo criativo? Porque as melodias e as letras são bem marcantes, elas parecem caminhar muito juntas...

Raramente faço música e letra ao mesmo tempo. Geralmente, quando penso numa melodia já sei mais ou menos sobre o que vou falar ali. Mas os acordes são sempre a primeira coisa que vem.

Como voce enxerga a construção de uma carreira musical em tempos como o nosso, em que pouca gente realmente ganha dinheiro vendendo Cds? Já há bandas nos EUA que vendem "a experiência de um show" em forma de pen drive. O cara vai ao show e no fim leva pra casa a gravação daquela apresentação específica, por um preço maior do que de um CD. O valor agregado do item acaba gerando demanda e ás vezes banca uma turnê inteira. Essas "soluções criativas" vieram pra ficar?

Puxa...Não conhecia essa do pen drive...Ótima idéia. Pois é. Ninguém mais ganha dinheiro vendendo disco. Por que você acha que tá tendo tanto "come back"de banda dos anos 80 e 90 hoje? O pessoal tá precisando fazer um troco...Penso que fazer shows vai ser a fonte central de retorno financeiro do músico daqui pra frente. Sorte minha, porque eu gosto do palco e tenho disposição pra viajar. Conheço muita gente que viaja bastante tocando e sei que mesmo no mainstream não é todo aquele glamour que se pensa. Dormir em van e tocar virado são coisas normais pra essas pessoas. Eu topo isso, desde que eu esteja exercendo meu ofício e não esteja me prostituíndo artisticamente.



segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

The Streets - Computer And Blues


Vou poupar informações jornalísticas básicas sobre o Mike Skinner AKA The Streets e já pulo pra parte que interessa: Computer And Blues é foda. Como quase tudo que o Skinner lançou antes, mas dessa vez é pra fechar a lojinha. The Streets acaba nesse álbum. Pouco tempo atrás escrevi sobre como o processo de composição desse disco foi aberto, via twitter e blog, a sugestões e conversas com jornalistas e fãs. Geralmente respondidas com vídeos, mixtapes e reflexões. Mike é bastante verborrágico e sofre de epilepsia.

A carreira de seu projeto foi lançada como um foguete, os dois primeiros álbuns aclamados pela crítica. Infelizmente, os outros dois discos subsequentes eram trabalhos irregulares. Se Skinner soava como um cronista do "dia comum", entre romances errôneos, brigas, bebedeiras, drogas, baladas, amigos, de uma maneira esperta e batidas garage simplistas em Original Pirate Material e A Grand Dont Come For Free , o sucesso afetou seriamente sua inspiração nos discos The Hardest Way Of Make An Easy Living e Everything Is Borrowed (estão aí suas referências jornalísticas, estamos falando do quinto e último disco do Streets, agora). Mesmo assim, os discos mais fraquinhos continham algumas pérolas.

Daí que Computer And Blues é tematicamente sobre relações humanas em tempos digitais. Ou sobre relações pessoais e comunicação, que por acaso, em 2011 são bastante digitais. Construído sem pressa e expectativa - ninguém mais lembrava realmente dele - Mike botou na roda um disco tão bom quanto seus dois primeiros. Musicalmente variado, de momentos mais secos e outros mais melódicos, ele não se perde nas rimas e está inspirado: Outside Inside é como um relatório, uma nota mental sobre os efeitos pós-drogas; Going Through Hell é sugestiva, o gosto amargo de caminhar pelas ruas podendo ser "esfaqueado pelas costas". A Blip On The Screen lida com pensamentos depressivos e reflexões " Mas então todo tipo de merda parece plausível dentro de casa/Proporções caminham para o pior". OMG é como Dry Your Eyes (de A Grand Dont Come For Free) para tempos de Facebook: " Vi seu status 'Em um relacionamento''Em um relacionamento' Um terremoto me atingiu" E continua: "Pq voce me avisou tão tarde?..Olhei suas fotos...caras que eu não conheço e que parecem próximos de voce agora". Mas tem um final feliz: "Entre os normalmente ignorados pedidos á direita (da tela)/Eu nunca teria imaginado um pedido tão legal/Agora voce está 'em um relacionamento...comigo'".

Ou talvez o amargor daquela canção esteja melhor representada em We Can Never Be Friends: " Dizer que te amo pra sempre/ não vai nos manter juntos...Nunca poderemos ser amigos/um quer continuar/ outro que chegue ao fim". Pra finalizar a argumentação:" Todas as coisas que vc sente falta do seu ex/Comprometimento, beijos e sexo/São o que vc vai cobrar do próximo". Soldier é grandiosa, incrivelmente cantada por Robert Harvey, da horrível banda The Music.

Talvez os versos mais simples e diretos do álbum sejam aqueles que resumem a melancolia movida a batidas e spoken words de Computer And Blues: extraída da música Puzzled By People, que parece melhor sem a minha tradução livre: "Puzzled by people/ Loving isn't easy/ You can't google the solutions to people's feelings" 8,5/10

* Dois clipes abaixo: o "normal" para Going Through Hell" e o interativo e cool, em que voce vai escolhendo as ações de Mike ao som de músicas de Computer And Blues: