segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O rap trabalha, o jornalismo dorme

Projota

A recente ascensão de nomes como Criolo e Emicida, indicados para a premiação anual da MTV e citados constantemente pela grande mídia como revelações trouxe mais do que curiosidade sobre o rap: trouxe também algumas velhas falhas e preconceitos arraigados em boa parte do jornalismo cultural brasileiro, assim como os hábitos de consumo dessa cultura pelo público. A cobertura sobre a inserção do estilo musical em áreas normalmente compartilhadas pela classe média é quase sempre tomada pelo desequilíbrio: há quem considere uma revolução, outros rechaçam veementemente qualquer indício de validade. Um erro comum é a insistência em agrupar nomes diferentes sob um mesmo rótulo - no caso, "novo rap" - seja para glorificar ou diminuir sua importância. Mas essa é apenas a superfície de um problema mais sério: para que um gênero criado e consumido pelas periferias e favelas possa ser ao menos notado, ele deve passar pelo crivo de quem ainda acredita em dirigismo. Essas pessoas refletem a velha dicotomia de que música de qualidade tem que possuir um invólucro de aceitação, sendo a outra parte uma cultura pobre, alimentada por ignorantes "pardos". Música de pobre, no Brasil, é vista como um produto sem apelo comercial (embora milhões vejam vídeos no Youtube de artistas periféricos), sem valor artístico e desprezível. Os mesmos que possuem essa visão acreditam que o blues, de negros pobres e segregados nos EUA, ou o indie-rock branco, ou a velha MPB, representem uma ideia torta de "boa música".

Primeiro problema: a relação entre a cobertura da mídia e o gosto popular. Mais do que em outros lugares, "especialistas" brasileiros rejeitam quase tudo que tenha aceitação do grande público. A opinião raras vezes é baseada em critérios qualitativos, sendo baseada principalmente na visão de que, se a música é compreensível para o grande público, é popularesca e não pop. O mesmo critério não se aplica a artistas internacionais, obviamente. Outra mentira é a concepção de "ideologia indie": há quem acredite que o rock branquinho represente o que de mais inventivo pode existir, com uma vantagem: nem todos gostam, o que permite aquele ar de elitismo intelectual tão apreciado. Independente é quem assiste, compra, participa ativamente e dessa forma ajuda a criar um cenário sustentável. Não existe cena indie rock no Brasil, portanto. Os indies brasileiros não se movimentam (só de forma pontual, isolada). Ironicamente, quem se organizou e criou opções nos últimos anos para sobreviver foi...o rap. Dessa suposta ideologia se desdobra a imagem de "permanecer pequeno": isso explica de certa forma as críticas direcionadas ao rap que ambiciona exposição (algo como "se vender"). A verdade é que tal intolerância a algo badalado (ou "hypado", como eles preferem) não se aplica á MPB indie. Novamente, o preconceito: eles só são bons dentro da favela.

Minha modesta opinião: o rap vive grande momento no Brasil, não vive de nomes isolados. É o resultado da combinação da velocidade de divulgação proporcionada pela internet e acesso a novas tecnologias: o fato é que, ser independente no Brasil é muito difícil. Ser independente na quebrada, muito mais. Com um excesso de músicas rolando na web, muitos MCs e beatmakers perceberam que precisavam de algo mais para sobreviver: organização, profissionalismo, dedicação. Qualidade no trabalho em si e na forma de divulgar e distribuir. O que temos hoje é um cenário em que só os bons se destacam. Esse parâmetro elevado está forçando o surgimento de nomes cada vez mais preparados para o destaque, além de reforçar a própria cena independente em que estão inseridos. É uma situação vencedora, e isso incomoda quem cruzou os braços.

Em resumo, não há mal inerente quando um MC ganha páginas no caderno cultural, está na MTV e nas revistas semanais. É o desdobramento de uma música mais pungente e organizada mostrando seu melhor lado. O tempo dirá se Emicida e Criolo estão cavando espaço definitivo no mundo comercial, para si próprios e para o gênero no Brasil. Ou se nomes como Projota, Don L e Rincon Sapiência farão ainda mais sucesso. A única verdade, por enquanto, é que o rap faz aquilo que falta para parte significativa do nosso jornalismo cultural: trabalha duro.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Criolo - Subirusdoistiozin video

Criolo acaba de lançar o clipe oficial do clássico single Subirusdoistiozin, presente no álbum Nó Na Orelha, checa aí:

sábado, 20 de agosto de 2011

Laura Marling - A Creature I Don't Know


Em uma entrevista recente, Laura Marling demonstrava sua admiração por Neil Young: a maneira como pessoas que o viram tocando ao vivo dez, vinte anos atrás ou mais, e continuavam a comparecer aos shows do compositor canadense impressionou Laura. A transposição generacional e a carreira longa de Neil parece cada vez menos provável - mesmo relevando a genialidade - para um artista atual. Para a jovem inglesa, que acaba de finalizar o seu terceiro álbum, o futuro parece oferecer caminhos interessantes: sua opção em distanciar seu som de modismos e apostar apenas na sua capacidade de impor letras inteligentes dentro de um policromático folk ancestral acompanhado de uma urgência juvenil a afasta de nichos indie.

A Creature I Don't Know diz respeito muito mais aos momentos febris da vida adulta de Laura do que uma reinvenção de som: as sombras do inconsciente e as emoções cruas são temas pertinentes que Laura trata com versos contorcionistas, mas nunca pernósticos ou carregados de pompa. Ao contrário, a atmosfera densa é criada com passagens afiadas levadas pelas modulações vocais da compositora. A diferença fundamental para os dois primeiros discos é que aqui Laura deixa a inocência de Alas... e o peso I Speak...para encontrar um equilíbrio que deixa o resultado final mais relaxado. A maior variedade instrumental (guitarras ásperas em The Beast, a estrutura jazzística de The Muse com seu baixo e piano presentes, a pegada alt-country de Sophia) não interfere no balanço do trabalho: mais do que canções destacadas individualmente, há sempre um sentimento de sequência que fere a compreensão de uma geração acostumada com o shuffle do Ipod, mas faz sentido para quem cresceu consumindo álbuns como filmes ou livros. Mais um ponto a favor de Marling, uma garota que nasceu nos anos 90.

Seja explorando a melancolia pastoral de Nick Drake, a intrincada e quente interpretação de outra Laura, a Nyro (em particular os trabalhos do final dos anos 70 da compositora americana) ou o anti-folk da Diane Cluck, Marling nunca permite que a facilidade em juntar clichês ou referências atrapalhe o curso de suas composições: aos 21 anos e três álbuns, a inglesinha demonstra personalidade: A Creature...pode não ser o salto para o estrelato que muitos esperam, mas é prova de confiança em seu próprio ritmo e evolução.

" Eu não estou do lado do demônio / eu não sussuro para ele / eu fico nas montanhas / e chamo as pessoas para ouvir...eu te amei, eu desejo me tornar você / e saber o que você sente" - Night After Night 8,5 / 10

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Girls - Father, Son, Holy Ghost


Seu mundo pode ser aquele que apresenta crises econômicas, rachaduras sociais e cidades em chamas. A abstração disso na música pop atual pode virar um contraponto hedonista de bandas festeiras ou uma rara reflexão mais madura (e perigosamente próxima da arrogância). Mas também pode refletir um estado maior de sentimento de inadequação ou tristeza. No caso de Father..., segundo álbum dos californianos do Girls, o universo retratado é exatamente o da perdição romântica e a desesperança. Pode parecer pessoal demais, mas acaba tendo apelo maior, em um cenário universal em que sentimentos tão comuns são relevados. Em suma, o som de caras chapados cantando sobre garotas que se vão faz mais sentido do que afirmações unidimensionais sobre conflitos, bolsa de valores e violência. No meu mundo, pelo menos.

O que chama a atenção é que o disco soa mais pesado, com maior cenário, sem perder algumas características que fizeram a fama do primeiro álbum: letras confessionais e auto-piedosas, no limite entre a embriaguez e a beleza, passagens melódicas matadoras e a fragilidade vocal de Chris Owens. Honey Bunny engana de início com certa similaridade com as músicas de Album, mas a quebra melódica no meio cria uma espécie de marca, que acaba por definir muito do que virá pela frente: estruturas mais firmes, nuances antes inexistentes e mais peso instrumental. Die é praticamente um hard rock setentista, Chris encaixando um "We're all gonna die, we're all gonna die!": excelente. My Ma é uma balada country-rock-gospel recheada de guitarras encharcadas de efeitos; Vomit, o primeiro single, pode ser a Hellhole Ratrace do atual momento: servindo de peça central do trabalho, a canção cresce lentamente construindo um clímax que é puramente psicodelia: teclados e guitarras tecendo barulho. A parte final da música novamente chama um coro para emoldurar o apelo de "Come into my heart" de Owens; ecos de Pink Floyd e Spiritualized. Just A Song possui uma certa melancolia narcótica não muito distante de algo de Neil Young circa At The Beach mas termina com uma repetição insistente e arranjos delicados. A leve Magic traz um certo alívio com a típica simplicidade melódica e lírica da banda. Love Like A River é bela embora montada sobre trejeitos soul manjados.

Father, Son, Holy Ghost é uma extensão bem executada das bases apresentadas em Album, já apontando direções em que o Girls poderá seguir daqui pra frente. Uma trilha sonora devastadora para dias tensos. 8,5 / 10

domingo, 14 de agosto de 2011

Entrevista: Tiê


Não faz tanto tempo que Tiê lançava Sweet Jardim, disco que inaugurava sua carreira autoral recheado de canções quietas e melancólicas, gravadas de uma forma bastante simples. No início de 2009, os primeiros shows começavam a atrair pessoas que se sentiam capturadas pelas músicas de apelo pop mas com um toque folk e de letras pessoais. Um grande passo pra quem tinha acabado de achar uma forma de traduzir sua criatividade: "Quando ouvi o disco pronto, confesso que deu uma mini insegurança. Estava bem simples e bem autobiográfico. Fiquei com medo de ser demais. Mas logo passou e foi só felicidade. Sempre todo mundo recebeu o Sweet muito bem."

Agosto de 2011. Quase dois anos e meio depois, com uma carreira ascendente, Tiê viu amigos como Tulipa Ruiz e Thiago Pethit ganharem espaço para além dos espaços independentes, além de outros artistas como Marcelo Jeneci estabelecerem um grau de atenção antigamente destinados apenas a grandes nomes. Um dos problemas de novos parâmetros dentro da música é a dificuldade em aceitar - ou enxergar - diferenças entre músicos contemporâneos. A tentação de reduzí-los a um só rótulo é muito grande. Para o ensolarado e bem sucedido segundo disco (A Coruja e o Coração- resenha aqui), lançado esse ano, Tiê escolheu dois hits de Pethit e Tulipa para gravar. Uma forma de mostrar a diferença entre eles? "Foi exatamente isso! Quis regravar músicas que eu realmente achava incríveis, além de mostrar meu apreço e admiração por esses dois artistas. Somos apenas amigos que estamos criando num mesmo momento. Musicalmente somos bem diferentes, mas a essência independente e o lado autoral é o que temos em comum.

A boa recepção de Sweet Jardim e o nascimento da filha Liz foram eventos que ocorreram após uma caminhada não diferente da maioria dos artistas : o esforço para encontrar uma voz criativa, os percalços da independência contrastando com a vida fora dos palcos e as contas para pagar. De alguma forma as coisas se tornaram positivas o suficiente para que A Coruja e o Coração ganhasse um tom mais colorido e sonoridade mais completa: " Já sabia que seria bem diferente de Sweet Jardim, porque a minha vida já estava completamente mudada. Mas foi um processo natural. As composições pediam mais instrumentos, mais recheio. Para incrementar essa ideia de trabalho menos solitário, parcerias surgiram, com gente como Pedro Granato e Karina Zeviani; teriam sido planejadas ou espontâneas?: "Espontâneas e muito bem vindas! Perto e Distante já tinha nascido quando pedi ajuda pro Pedro e ele deu outra vida e história pra ela, que antes se chamava Quem Garante. A Ka eu conheci bem na época da produção do disco, ficamos amigas e tudo fluiu muito bem!"

Com participação garantida no próximo Rock In Rio e várias datas pelo Brasil e no exterior - tem shows marcados nos EUA junto com Tulipa Ruiz agora em Agosto - Tiê se mostra otimista com o fato de que os shows se tornaram tão importantes para a sobrevivência do artista: " Não é o único, (meio de viver de música) mas por enquanto é o mais garantido, e também divertido! Amo o contato com o público, as diferenças de cada show, a energia dos lugares." Inevitável questioná-la sobre o futuro de sua geração, já que ainda não podemos afirmar com o devido distanciamento a importância e a extensão do sucesso deles. Em dez anos, como estarão? A compositora dona de um despojamento e polidez marcantes também mostra que é otimista e brinca: " Espero que feliz! E rica! (risos). Espero que cheia de energia e criatividade, ideias novas e otimismo!

Ainda que menos sombrio, A Coruja... não deixa de possuir canções baseadas em experiências pessoais. Será que veremos composições de Tiê baseadas em narrativas mais distanciadas? " Por enquanto não, mas talvez um dia consiga. A vida muda sempre tanto que não dá pra saber, né? Hoje eu gosto de compor assim porque percebi que funciono quando sou bem sincera. Mas talvez, num futuro, eu seja sincera também falando de assuntos menos pessoais." Essa capacidade de encarar com serenidade e delicadeza os desafios da carreira - e da vida, que serve de inspiração para seu trabalho - indica que podemos aguardar novos discos e apresentações entregues assim, com dedicação e amor. Vamos torcer para que se traduzam novamente em música de qualidade.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Pélico - Que Isso Fique Entre Nós



A capa do novo álbum do compositor Pélico é uma foto em que duas pessoas aparecem sem que seus rostos estejam aparentes: o próprio cantor, de costas para a câmera, encobre uma figura feminina, que se posiciona de frente para ele. É uma imagem que sugere um sentimento de proximidade física e distensão emocional, comumente conhecido como a melancolia que precede o fim inevitável de um relacionamento. Dessa premissa poderíamos imaginar um disco áspero e incômodo, mas Pélico encontrou maneiras diferentes de tratar o assunto, musical e liricamente.

As diferenças em relação ao seu bom disco de estreia (O Último Dia de Um Homem Sem Juízo, 2008) estão na construção das melodias e na entrega: se antes Pélico soava mais cru, direto e entoava letras mais distantes da comoção, agora as paredes melódicas erguidas são simples e frágeis, e as letras são desavergonhadamente sentimentais. Se as dezesseis músicas são resultado de um lento processo ou um forte e imediato fluxo criativo não importa: Que Isso Fique Entre Nós não possui espaço para pequenos erros, é uma obra de leve e insistente capacidade de surpreender, ao equilibrar arranjos inventivos e melodias de apelo pop inegável sem resvalar na mediocridade do verso simplório ou do exagero da auto-comiseração.

Tarefa difícil compor um album em tempos de iPods no shuffle o tempo todo: a coesão e até mesmo a consistência de dez, doze músicas reunidas é algo que parece cada vez mais improvável. Se me contassem que das dezesseis aqui demonstradas, nenhuma poderia ficar de fora, eu suspeitaria. Mas a audição desse disco que, embora forte no conjunto e simples na essência, oferece tantas facetas ao ouvinte, prova que é possível ser pungente trabalhando em terreno tão escorregadio: o pop bem azeitado, com pés no rock e letras derramadas são normalmente o refúgio de compositores mais bem intencionados do que propriamente talentosos.

Não Éramos Tão Assim possui refrão forte sem abandonar a boa direção onipresente: Pélico não guarda truques para engrandecer momentos, ele cria uma contínua corrente de pequenos retratos; Recado talvez se aproxime do que se poderia chamar de um Pélico 2.0, um upgrade do rock quase descontrolado do disco anterior, dessa vez emoldurado em coerente e forte melodia crescente; À Beira do Ridículo é adornada por belos arranjos e é uma bela peça de chamber pop; O Menino soa reconhecível mas é uma matadora canção encaixada já quase ao fim do album, mostrando o fôlego criativo de Pélico. Nesse ponto o ouvinte ocasional já parou diversas vezes para prestar atenção. E atenção terá o compositor, que não apenas cumpriu os bons indícios demonstrados anteriormente, mas na verdade surpreendeu com um dos melhores trabalhos do ano. 8,5/10
O disco pode ser baixado de graça por aqui.

Pelico Vamo Tenta by Pelico

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Frances Bean Cobain, 18


Enquanto Nevermind completa 20 anos de lançamento, a filha de Kurt e Courtney chega aos 18 (quase 19, na verdade). E o ensaio feito pelo francês Hedi Slimane mostra que Frances herdou os melhores traços dos pais. No site do fotógrafo/designer dá pra ver o ensaio completo.


Lindeza do dia: Barbara Eugênia - Por Aí vídeo

Segundo vídeo extraído de Journal de BAD (número 5 na lista de melhores discos do blog), primeiro disco da cantora lançado em 2010. Depois de O Oposto do Osso, a canção escolhida foi Por Aí. Lindezas reunidas: a música, as imagens e a Bárbara. Enjoy!

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Little Dragon - Ritual Union


Em um mundo pop habitado de forma populosa por bandas de origem eletrônica com pés nos aspectos etéreo e cerebral - com resultados enormemente diversos em qualidade - mas contando com a condescendência da crítica, que acredita estar diante de algum tipo de sofisticação e inteligência musical acima do seu usual indie de guitarras, colocando quase tudo no mesmo patamar -, é raro ouvir algo que realmente permite alguma sensação residual. Aqui se enquadra o grupo sueco Little Dragon, que chega ao terceiro album com a mais consistente coleção de canções de sua carreira.

Trabalhando com beats secos e intervenções de teclados com economia, a banda reverte uma tendência de entusiasmo com novas tecnologias que leva produtores e músicos a perder o ponto ao utilizar ferramentas eletrônicas; a música do Little Dragon se baseia em estrutura pop sólida (músicas boas e variadas) e uma vocalista capaz de cativar o ouvinte. O adorno eletrônico é usado com inteligência. Simples e efetivo. A faixa título abre o disco reunindo elementos minimalistas; Shuffle A Dream, um synth-pop mais marcadão ainda assim não abusa dos efeitos e deixa Yukimi Nagano destilar sua habilidade de controle e entrega vocal. Precious é uma vagarosa peça misteriosa, uma canção que mostra o que uma boa química pode fazer por uma banda: o jogo entre as batidas e teclados funciona criando uma dimensão maior do que os esparsos elementos utilizados sugerem.

Ritual Union satisfaz plenamente o fã do electro-pop ao prestar especial atenção aos detalhes e deixar o exagero de lado, focando em composições sólidas. 7,5

Little Dragon 'Ritual Union' (Live on Fallon) from lentetijd on Vimeo.

Emicida - Doozicabraba e a Revolução Silenciosa EP


O novo trabalho do rapper paulistano é de muitas formas um desdobramento natural de suas opções: com produção dos americanos K-Salaam e Beatnick, o EP é parte da evolução do Creators Project, da revista Vice e da Intel. Nesse momento, o projeto vai além das apresentações e permite aos artistas uma troca e uma possibilidade de registro (The Studio); Emicida participou do festival Coachella e na mesma viagem passou por Nova Iorque para dar andamento nas ideias e ter contato pessoal com os produtores. Dentro desse desdobramento, estão também as observações e a percepção de Emicida em relação ao próprio estágio da carreira: o que ele nos conta aqui é um retrato que vai além das afirmações e da auto confiança, demonstrando o contexto de sua caminhada, permitindo pequenas brechas em que a emoção é mais profunda e revelada com a mesma pegada que fez sua fama.

Um dos aspectos positivos da produção de K-Salaam e Beatnick é exatamente a possibilidade de criar uma coesão que se faz muito mais difícil em uma mixtape. Doozicabraba realiza com competência a transição das intenções embutidas na linguagem musical do MC: sem polidez exagerada, mas com beats e inserções equilibradas, as canções ganharam em organização e impacto. Mas o que faz do EP um registro brilhante ainda é a capacidade de Leandro Roque de transmitir um misto de construção lírica impecável nos versos sem tirar o pé na pegada e na emoção. Licença Aqui já mostra um Emicida ciente de sua posição no rap e no cenário pop nacional e as consequentes críticas decorrentes: a resposta é clara: "Tô na TV e tô na rua/numa vida igual a sua/diferença? eu trampo/eles olha/eu trampo/eles mosca". A percepção de valor alcançado pelo esforço e não apenas por benção divina ou herança se torna mais clara em Cacariacô, de bela melodia e lembrança de dias mais difíceis - realidade de milhões - em um momento de reflexão que faz ponte com a labuta como rapper. Viva é uma celebração contagiante, como um vestiário festivo após vitória complicada, mistura de orgulho e alívio. A contagiante Num é Só Ver traz um exemplo da produção competente, com pequenos detalhes que se encaixam sem estragar o flow; Zica, Vai Lá traz de volta o Emicida super confiante em canção pesada que equilibra sua visão de homem predestinado com um background de surras e tombos moldando sua obstinação. Ao mesmo tempo, reflete sobre colocar o rap no mapa de quem vive em guetos musicais elitistas. Complexa e coerente, é a demonstração de que Emicida realmente não mosca: continua disposto a evoluir. Pequenas Empresas continua em nível absurdo de expressividade, abrindo espaço para estabelecer que partindo do nada, "a meta é o mundo, ou mais."

Doozicabraba não é um trabalho definitivo, justamente por incluir segmentos e mostrar uma imagem em movimento: Emicida absorve, se adapta e recarrega suas baterias, direcionando seus versos de acordo com o momento. Mas exatamente por registrar tal capacidade, se torna um dos mais impressionantes discos do ano: musicalmente coeso e enxuto, com potencial de desnortear e surpreender com versos que passeiam por todo tipo de emoção acumulada. Se isso não te mover, você já morreu e esqueceram de te avisar. 9/10

Dá pra baixar de graça o disco no site do Creators Project; para adquirir o CD com faixa extra e tudo, acesse o site oficial do Emicida.

Emicida - Pequenas Empresas [Part. Dom Pixote e MV Bill] by eduardoyukio