A capa do novo álbum do compositor Pélico é uma foto em que duas pessoas aparecem sem que seus rostos estejam aparentes: o próprio cantor, de costas para a câmera, encobre uma figura feminina, que se posiciona de frente para ele. É uma imagem que sugere um sentimento de proximidade física e distensão emocional, comumente conhecido como a melancolia que precede o fim inevitável de um relacionamento. Dessa premissa poderíamos imaginar um disco áspero e incômodo, mas Pélico encontrou maneiras diferentes de tratar o assunto, musical e liricamente.
As diferenças em relação ao seu bom disco de estreia (O Último Dia de Um Homem Sem Juízo, 2008) estão na construção das melodias e na entrega: se antes Pélico soava mais cru, direto e entoava letras mais distantes da comoção, agora as paredes melódicas erguidas são simples e frágeis, e as letras são desavergonhadamente sentimentais. Se as dezesseis músicas são resultado de um lento processo ou um forte e imediato fluxo criativo não importa: Que Isso Fique Entre Nós não possui espaço para pequenos erros, é uma obra de leve e insistente capacidade de surpreender, ao equilibrar arranjos inventivos e melodias de apelo pop inegável sem resvalar na mediocridade do verso simplório ou do exagero da auto-comiseração.
Tarefa difícil compor um album em tempos de iPods no shuffle o tempo todo: a coesão e até mesmo a consistência de dez, doze músicas reunidas é algo que parece cada vez mais improvável. Se me contassem que das dezesseis aqui demonstradas, nenhuma poderia ficar de fora, eu suspeitaria. Mas a audição desse disco que, embora forte no conjunto e simples na essência, oferece tantas facetas ao ouvinte, prova que é possível ser pungente trabalhando em terreno tão escorregadio: o pop bem azeitado, com pés no rock e letras derramadas são normalmente o refúgio de compositores mais bem intencionados do que propriamente talentosos.
Não Éramos Tão Assim possui refrão forte sem abandonar a boa direção onipresente: Pélico não guarda truques para engrandecer momentos, ele cria uma contínua corrente de pequenos retratos; Recado talvez se aproxime do que se poderia chamar de um Pélico 2.0, um upgrade do rock quase descontrolado do disco anterior, dessa vez emoldurado em coerente e forte melodia crescente; À Beira do Ridículo é adornada por belos arranjos e é uma bela peça de chamber pop; O Menino soa reconhecível mas é uma matadora canção encaixada já quase ao fim do album, mostrando o fôlego criativo de Pélico. Nesse ponto o ouvinte ocasional já parou diversas vezes para prestar atenção. E atenção terá o compositor, que não apenas cumpriu os bons indícios demonstrados anteriormente, mas na verdade surpreendeu com um dos melhores trabalhos do ano. 8,5/10
O disco pode ser baixado de graça por aqui.
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