Flutuar, verbo transitivo no sentido figurado: "As músicas de Feito Pra Acabar, debut de Marcelo Jeneci, possuem uma leveza mágica, como se flutuassem enquanto tocadas." Fiquei com isso na cabeça durante os dias em que convivi com o álbum. Então, achei que seria a melhor maneira de iniciar o texto. Explicarei melhor a idéia do "flutuar":
Marcelo Jeneci começa sua jornada como se estivesse lançando uma carreira "solo". Isso porque suas composições e suas habilidades como multi instrumentista já foram utilizadas em discos aqui e acolá. De maneira que até chegar a Feito Pra Acabar, Marcelo construiu uma reputação de músico talentoso. A expectativa pela qualidade do álbum excedia, portanto, as convenções de "disco de estréia".
Felicidade dá o tom: composição sólida, linda participação vocal de Laura Lavieri, melodia que flui como uma pequena valsa, arranjos simples e sofisticados...você estará sorrindo antes que a música acabe. As cores mais quentes de Jardim Do Éden mostram que as variações rítmicas não interferem na fluidez quase onírica aqui encontrada: o equilíbrio é a base da produção azeitada de Kassin. Copo D'água é um rock cru, os versos de Jeneci jogando com o ritmo de maneira contundente. Quarto De Dormir mostra a faceta do romantismo descarado, que Roberto Carlos já produziu um dia e gente como Fernando Catatau resgatou. Pra Sonhar possui uma singeleza que consegue reverter a idéia de que cantar sobre "um navio a navegar" é uma forma asséptica de praticar um brasileirismo lírico.
E tudo só melhora a cada faixa: Por Que Nós é mais um dueto lindíssimo, com um refrão que é praticamente um apelo universal, dentro de uma forma delicada de dizer "que fomos serenos num mundo veloz / nunca entendemos então por que nós". As letras formam um mosaico de reflexões, sensações e apelos: nunca faltam palavras e ganchos para Jeneci, que dialoga e surpreende o ouvinte com bastante frequência. Show De Estrelas soa como uma celebração da capacidade humana de criar, compartilhar alguma forma de felicidade. A psicodelia tropical de Pense Duas Vezes Antes De Esquecer e a canção título - um exercício sinuoso de poesia e construção melódica - encerram de forma perfeita a jornada.
Flutuamos portanto em um universo rico e belo em treze faixas, trabalhadas com esmero ímpar. Um dia teremos contexto histórico mais apropriado, mas Feito Pra Acabar praticamente grita "clássico". E é mais um retrato do momento efervescente de uma nova geração de compositores. 9/10
Tudo bem, Dezembro faz parte de 2010. Mas vamos antecipar um pouco o fim do ano e iniciar a nossa contagem de melhores álbuns desse começo de década. A lista não é uma afirmação pretensiosa: é bastante provável que algo bom tenha passado sem chamar a atenção, sim. Mas de certa forma representa aquilo que podemos chamar de bom investimento de tempo, e talvez dinheiro. Vamos separar a lista em 10 postagens. Atenção: a lista brasileira será divulgada á parte. Aqui, apenas os gringos:
100 - Darker My Love - Alive As You Are
99 - Roky Erickson And Okkervil River - True Love Cast All Evil
98 - Shearwater - The Golden Archipelago
97 - Benga - Phase One
96 - Wavves - King Of The Beach
95 - The Hundred In The Hands - The Hundred In The Hands
Essa semana Mike Skinner, o cara por trás do projeto inglês The Streets, postou um novo vídeo no Youtube. Até aí, nada de novo: ele já anunciou que o novo álbum sai no começo de 2011, e será o último trabalho sob essa alcunha. Bem sucedido no Reino Unido, Mike é um cronista/rapper branco que ilustrou tão bem os hábitos da juventude britânica do começo desse século quanto o Arctic Monkeys ou o Libertines. Seus dois primeiros discos, Original Pirate Material (2002) e A Grand Don't Come For Free (2004) são clássicos daquela década.
Acontece que Skinner, através de sua conta no twitter e no seu site oficial, vem não apenas comentando o andamento das gravações do novo álbum, mas pedindo sugestões de assunto e/ou complementos para rimas ao seus seguidores. O fato é que ele não somente vem incorporando essas sugestões como mantendo seus fãs atualizados através de pequenos vídeos postados no site.
O jornal britânico Guardian, através de seu articulista James McMahon, postou toda essa história no dia 22 em seu blog sobre música. McMahon elogiou a postura de Skinner em utilizar a internet de forma colaborativa. Daí que a resposta aos elogios veio em forma de vídeo e música, em que Mike pega o gancho de um dos comentários do jornalista (sobre tuítar a respeito de ressacas) além de, lógico, agradecer as palavras elogiosas. A música se chama The Day After The Day Off On One. Não sabemos se Computer And Blues, o disco a ser lançado, será tão bom quanto seus trabalhos iniciais, porém Mike Skinner está usando a internet não apenas como um canal de comunicação alternativo, mas como sua aliada na tarefa de encontrar inspiração. Seja por um tuíte, ou por uma crítica jornalística, o novo disco do The Streets será um trabalho verdadeiramente contemporâneo na origem.
Deixo o vídeo da "música-resposta" ao Guardian e também a genial Dry Your Eyes, de A Grand Don't Come For Free:
Talvez faltem palavras e até mesmo formação para que eu disserte sobre a relação entre os que recebem a arte e aqueles que a produzem; para compreender as emoções sentidas pelo autor da obra e a forma como este a concebeu; e ainda, como um ouvinte filtra essas sensações ao escutar um disco, por exemplo. A questão se aprofunda quando se pretende transformar em texto, analítico, algo que se aprecia quase como um acompanhamento inseparável, de influência indelével. Isso é uma tarefa racional, mas também envolve todas essas questões acima. Por falta de espaço, e repito, de gabarito pra isso, finalizarei aqui essas divagações. Até porque isso é uma resenha.
Tenho escutado Journal de BAD, primeiro disco da Bárbara Eugenia, há alguns dias. E não encontrei melhor forma de iniciar esse texto a não ser propondo essa reflexão entre nossa memória emocional e a crítica de música - ou de qualquer outra forma de arte - após finalmente absorver o que a Barbara oferece nesse álbum. Antes, é preciso dizer que o disco foi belamente produzido, e os músicos que a acompanham na empreitada são talentosos. Concebido no mesmo molde colaborativo em voga na atual cena paulistana, o embrulho garante á cantora que suas composições apenas ganhem alma e consistência. Mas o brilho aqui é todo da carioca que adotou São Paulo há alguns anos.
A voz de Barbara possui uma característica de contenção que contrasta com os fortes versos disparados. Uma contenção que não impede os instintos e nuances, apenas realça a impressionante confiança da entrega. É um disco de alma rocker, mas a exemplo de outros álbuns relacionados a toda a "Baixo Augusta scene"existe em Journal de BAD uma saudável amostra de absorção de influências globais e contemporâneas, de sabor brasileiro não reverencial. De um tropicalismo a uma chanson, de um noir Waits a uma áspera PJ Harvey, de uma celebração carnavalesca a uma melancolia Radioheadiana são feitas as conexões espirituais desse intoxicante álbum.
Certamente devemos evitar clichês relativos a gêneros sempre que possível, mas não é possível evitar a constatação: isso é uma obra de coração e alma femininos, e toda a implicação que essa afirmação carrega: sim, é delicado, romântico. E também apaixonado, visceral, de declarações abertas e de coisas não ditas mas apenas sugeridas, de mistérios e fragilidades. Um mundo complexo, e instigante.
A Chave, levada por um piano pontual vai abrindo o leque de feridas e confissões: " Só porque eu quis casar / você quis fugir / machucou meu coração ", a quebra melódica emociona: " Depois de um tempo me recuperei/ levantei minha auto-estima/ resolvi sair por cima/sem pensar que também errei". Pausa pra respirar. Por Aí é a Barbara que " vai ficar te esperando/ fumando mil cigarros/ tomando Coca-Cola/ na saída da escola " , languidamente em seu vestido florido e botinhas. Embrace My Heart And Stay é derramada " I could melt down / Don't know why all is this empty/ all is this blue/ without you by my side" . "Intenso" é a palavra.
Alguém aqui conhece um coração ferido: Drop The Bombs entrega a visceralidade citada: "Be careful not to choke....I'm not dead...Dont you fool me now, just drop the bombs over my head" Ui. Conforme o álbum avança, a atmosfera mais densa vai se esvaecendo, como se Barbara fizesse a transição entre a catarse e a reflexão, e as melodias seguem esse curso paralelemente, mantendo a coesão. A inclusão de O Tempo , de Fernando Catatau, com toda a pureza sentimental á la Roberto Carlos se encaixa perfeitamente nesse contexto.
Essa impressão de disco de coração partido é apenas parcialmente verdadeira. Acho até que é reducionista. É uma obra pungente, mas é sobre seguir em frente tanto quanto sofrer por alguma desilusão. É sobre viver, e entre as lascas afiadas das fricções humanas surge a beleza. Pelo menos é o que filtrei disso tudo, e é dessa forma que gosto da minha música pop: forte, não contemplativa. Barbara Eugenia é fina e rascante como a garoa fria de São Paulo , com um coração quente como o sol carioca. 8/10
Quarteto de Londres: Sorry é o primeiro - e único, por enquanto - single lançado. A página dos caras no Myspace só possui uma outra canção em streaming de áudio ( a boa Get Closer ). Se eles não caíram na armadilha do hype, talvez tenhamos um belo álbum a caminho: pra quem gosta do seu indie-pop ao estilo clássico: melancólico, curto e direto, com uma melodia matadora e referências bacanas. A investigar:
E Spike Jonze (who else?) dirigiu o novo clipe do Arcade Fire. Depois da experiência interativa de We Used To Wait, The Suburbs é um clipe "normal". Ou quase. Sobre o quê exatamente o clipe está contando? Respostas podem ser encontradas nas letras de Win Butler...que manterei no idioma original para um efeito mais adequado:
Logo no começo, vemos a garotada num tradicional subúrbio americano. Mas há algo acontecendo. O bairro parece isolado por forças especiais. Aqui temos a noção nostálgica da vida de um Win adolescente:
" Kids wanna be so hard / But in my dreams we're still screamin' and runnin' through the yard"
Há também a visão de tempos conturbados ( o nosso tempo? o futuro que se aproxima? ):
" You always seemed so sure / that one day we'd be fighting a suburban war / your part of town against mine / I saw you standing in the opposite shore"
A noção de perda da inocência e da inexorável força do tempo é citada:
" And all of the walls that they built in the seventies finally fall / And all of the houses that they built in the seventies finally fall / Meant nothin' at all / It meant nothing"
Uma urgente sensação de pertencimento, de sentido para tudo surge como uma prece:
" So can you understand? / Why i want a daughter while i'm still young / I wanna hold her hand / And show her some beauty / Before this damage is done"
Por fim, um atordoado Win admite finalmente:
" Sometimes i can't believe it / i'm moving past the feeling "
Parece que a noção da passagem do tempo, da perda da inocência, dos tumultos emocionais da juventude e da visão de tempos conturbados - e a dificuldade de lidarmos com as constantes mudanças - permeiam a letra da música. E o vídeo é uma interpretação não literal desses tópicos. Belo trabalho do Jonze. E do Arcade Fire, óbvio.
Quando Laura Beatrice nasceu, ele já era vocalista de uma banda galesa há quatro anos. No entanto, mesmo distantes em relação á idade, Laura Marling - nascida em 1990 - e James Dean Bradfield - vocalista e guitarrista do Manic Street Preachers - aparecem aqui fazendo o que fazem melhor: transformando suas incríveis vozes em canais de articulação emocional. As músicas são: Manics - Some Kind Of Nothingness, do álbum Postcards From A Young Man e Rambling Man, do álbum I Speak Because I Can, segundo da Laura:
A equação cena musical = bandas com estilo parecido + mesma localização geográfica morreu. Se o Salem, que estréia com King Night, é a ponta mais famosa da chamada Witch House, os seus colegas de rótulo estão espalhados pelo mundo. O rótulo citado é apenas uma nomeação pouco clara, já que o que define as bandas é a manipulação eletrônica e a aproximação com o gótico e o clima de fim dos tempos . Dessa forma, muita coisa estaria sob o guarda-chuva, desde Crystal Castles até o veterano Portishead.
Afunilando um pouco mais, o que o Salem faz é uma música recheada de interferências, repetições, vocais distorcidos, seja com um rapper ou uma vocalista, aliados a uma condução gélida de teclados. Pode ser apenas uma forma de expressão pós milênio, retrato de uma geração abalada por crises econômicas e mudanças rápidas e pouco assimiladas. Isso tudo deságua em um som criado obviamente dentro de quartos plugados em softwares de manipulação, com a mente nas noites caóticas ou, simplesmente, o "lado escuro".
Interessante perceber que o Trip-Hop já foi a música da tensão pré-milenar: envolvia batidas desaceleradas, influência do hip-hop, da cena eletrônica inglesa, e soava moderno e assustador. Só que os tempos eram outros, a cena estava concentrada em Bristol. Até que ganhasse o mundo, e por consequência virasse um sub-gênero "oficial", foram anos. Quando chegou ao Brasil, foi durante muito tempo o "toque moderno" da produção de inúmeros artistas medíocres.
Voltando á 2010: o Salem é cria da comunicação atual: esse álbum de estréia já era esperado ansiosamente por blogs, público e outras bandas que se alinharam nessa visão sem filtro do mundo. Seus primeiros EPs foram disseminando pelo globo o som dark e gélido do trio. Eles citam como influência desde o dubstep até o hip-hop moderno. King Night foi avaliado como disco "difícil" por muita gente. Talvez, dentro de uma dinâmica pop ou até mesmo de bandas indie, as músicas apresentem formas diferentes. Mas isso não faz do disco algo de difícil degustação, e também não faz com que seja um marco do nascimento de um novo gênero.
O que importa: a música. Terabytes de arquivos digitais povoam a mente desse povo e o DNA do Salem: Suicide, Atari Teenage Riot, Ministry, Joy Division, Front 242, Benga, Massive Attack, minimal techno, My Bloody Valentine, Burial, Depeche Mode, Gravediggaz...O maior mérito do trio é condensar todo esse caos em uma só fonte. A canção título cria camadas operando em frequências diferentes: as batidas não são uniformes, há vocais distorcidos e fantasmagóricos e a linha condutora é uma melodia gélida. Asia alimenta ainda mais essas camadas, com uma batida mais marcante e pesada. A atmosfera é estranha, mas hipnótica. Frost é a primeira canção com um vocal discernível. Muitos apontam o Salem como uma máquina de criar sombras e imagens desagradáveis, mas esse é um dos exemplos de que, em muitos momentos aqui, há beleza escondida. Uma versão desfocada, perturbadora, mas definitivamente bonita do pop eletrônico. Sick aposta num rap em super-slow, loops insistentes por toda a canção.
Esse quarteto inicial introduz o ouvinte ao mundo do Salem: até o final de King Night, ouvimos variações dessas fórmulas - diga-se, sem repetições: apenas as fórmulas são as mesmas - com efeito intoxicante. Não é a visão do futuro da música pop: soa apenas como 2010. Precisa mais? 9/10
Na caleidoscópica cena musical paulistana, não nos surpreendemos mais com as divisões estilísticas: de experimentadores como Babe,Terror e Península Fernandes ao hip-hop de Emicida e Rincon Sapiência, passando pelo garage-soul tropical do Garotas Suecas, o indie ensolarado do Holger, o novo rock do Cérebro Eletrônico, cantoras(es) e compositoras(es) de talento como Tiê, Tulipa Ruiz, Barbara Eugênia, Andréia Dias, Juliana Kehl, Thiago Pethit, Marcelo Jeneci, Rômulo Fróes...a lista é longa, e entre eles talvez a única semelhança seja o fato de estarem residindo em São Paulo nesse momento. Porém, a sensação é que mais gente anda produzindo bons sons nesse momento, e talvez não seja possível absorver tudo "em tempo real". Isso é bom.
Dito isso, conheça o Inverness: o quarteto está lançando seu segundo álbum. Forest Fortress, o debut, mostrava um som tão gelado quanto a cidade escocesa que dá nome ao grupo: intrincadas tramas de guitarra se aproximavam tanto quanto possível de uma melodia ao mesmo tempo bonita e onírica. Dream pop, definiriam alguns. Eis que me surpreendo ao ouvir Somewhere... pela primeira vez.
Não é apenas uma amarração das canções ou um aumento na densidade instrumental: o Inverness se agigantou de um álbum para outro; longe das sombras shoegaze para um brilho mais amplo e multidimensional. É verdade que algo dessa ambição já se desenhava em Forest Fortress, mas aqui a realização é consideravelmente mais bem-sucedida. A canção título abre esse leque: a instrumentação acústica vai hipnoticamente sendo expandida por manipulações e arranjos bastante claros, límpidos. Inside Diamonds recruta a vocalista Sabine - do ótimo Jennifer Lo-Fi- para duelar com a ambiência lisérgica á la Beach House. Na verdade, há mais do que uma levada de riffs: todo o cenário se reflete em imagens distorcidas. E essa é a grande percepção, a de que a banda agora utiliza mais habilmente as ferramentas, e não se amedronta em adicionar novos instrumentos.
Ao longo de Somewhere... somos expostos a músicas que não perdem seu verniz pop, ainda que embaladas por dimensões e andamentos justapostos (Room In Twilight), batidas eletrônicas (Watermelon Fog) ou lamentos subaquáticos (Lovesong For A Leaf). Uma audição apenas não é o suficiente para adentrar a esse universo criado pelo Inverness. Oficialmente, é rock psicodélico. A banda referência dessa geração pode ser o Animal Collective - que pode ser reconhecido, sim - mas, profundamente, as matizes utilizadas aqui vão desde Syd Barret, My Bloody Valentine á MPB dos anos setenta, Beatles e Love.
Mesmo convivendo com o disco há alguns dias, ainda encontro detalhes escondidos, como presentes deixados ao longo de uma caminhada que, de outra maneira, já seria recompensadora. Como representantes de uma nova geração que prima pela diversidade, o Inverness se mostra uma das mais completas expressões pop da atualidade. 8/10
Adoramos conexões entre a música pop e o cinema. Ou qualquer conexão que envolva música pop, até mesmo arte de rua. Se for inesperada, melhor ainda. As cenas iniciais de Exit Through The Gift Shop, o super-hiper falado "filme do Banksy", são ilustradas por uma bonita balada, com um certo arranjo grandioso á la Phil Spector. Nada de música eletrônica, hip-hop ou hardcore (usualmente relacionadas com a street-art). Surpreendente, embora ilustre perfeitamente a saga daqueles que tomam as ruas para si ao anoitecer.
Recapitulando: A música é Tonigh The Streets Are Ours, do Richard Hawley. Hawley é de Sheffield, e antes de encarnar o crooner em sua carreira solo, foi guitarrista do Longpigs e do Pulp. A música não é inédita e nem mesmo recente - é do álbum Lady's Bridge, de 2007 - mas joga luz sobre o sólido trabalho de Richard. São cinco álbuns de estúdio e a admiração de gente como Alex Turner (Arctic Monkeys) e Jarvis Cocker. Antes um coadjuvante como hábil guitarrista, quando mostrou sua voz ao mundo em 2001, surpreendeu: suas composições invocavam um passado rebuscado, e seu tom grave fazia todo sentido nessa busca gospel-rock-blues Presleyano.
Banksy é o artista britânico que faz uso do grafitti, pintura, stencil, intervenções urbanas para mostrar seu lado ativista, contestador. Originário de Bristol, sua arte já ganhou as ruas para além de sua cidade natal e rendeu muitos prêmios e polêmicas. Uma das mais interessantes intervenções envolvendo a pop music foi sua "reinvenção" do disco de estréia da Paris Hilton. Banksy utilizou 500 cópias do disco, alterando a capa: uma tinha a Paris de topless (fake), outra tinha a cabeça de um cachorro no lugar do rosto, e outra mostrava Paris saindo de um carrão com imagens inseridas de sem-teto. 48 lojas inglesas receberam essas cópias, e antes que fossem identificadas, consumidores conseguiram adquirir um verdadeiro produto pop: um disco que possuía remixes do Danger Mouse, uma capa do Banksy e músicas com títulos como: Why Am I Famous?, What Have I Done? e por aí.
Então que Exit Through The Gift Shop é o primeiro filme do Banksy. Como ele não mostra o rosto e sua voz só é ouvida de forma distorcida, o mistério faz parte de sua persona artística. Seu filme não é menos misterioso. Alguns o consideram um documentário, outros uma obra de ficção bastante engenhosa.
Conexões feitas, me lembro de trocar e-mails com Mister Hawley no início da década. Ele sempre mostrou grande entusiasmo com a música mais antiga, dizia que não conhecia quase nada novo, nem tinha vontade de conhecer. Dez anos depois, o low-profile Richard e o "guerrilheiro" Banksy se encontraram, para tomar as ruas do mundo.
O melhor retrato da diversidade de estilos no mundo pop atual talvez seja o folk praticado em terras britânicas. Gênero ancestral, o folk está sendo tocado por gente jovem, e ouvido por um público que só o conhecia por aproximação - o twee pop sempre teve um pézinho nas harmonias tradicionais do gênero, ok. Mas essa nova geração de músicos aprofunda o interesse para além de uma simples opção estética; eles bebem em fontes mais ricas, tanto do lado americano como da música das terras altas britânicas; são Dylan, Cash mas também Morrisson e Pentangle, Neil Young e Nick Drake. Gente como Laura Marling, Mumford And Sons, Stornoway são a ponta mais bem sucedida do pop inglês em terras americanas nesse ano.
Nessa linhagem também está inserido o ator-compositor Johnny Flynn. Been Listening é o segundo ábum dele e sua banda, The Sussex Wit. Alavancado pelo sucesso alcançado por seus colegas, Johnny não decepciona: para além de banjos e floreios superficiais, há um compositor de talento. Flynn une sua poesia com o trabalho sofisticado de sua banda. Os arranjos são inventivos e fazem muitas canções se aproximarem do baroque pop. No coração de tudo isso, enxergamos uma preocupação com a coerência: emular velhos clichês de autenticidade não sustentaria o trabalho, apenas lhe daria uma imagem falsa; ao invés disso, Flynn - assim como Laura Marling- assina com sua própria identidade uma música que apenas possui raízes muito profundas. Essas raízes não são desprezadas, apenas recebem uma dimensão adequada: o folk e suas matizes podem ser antigos, mas é possível ser um criador dentro do gênero.
Kentucky Pill abre o disco demonstrando um pouco de tudo o que foi dito acima: é urgente, possui ganchos pop e refrão contagiante. Logo na sequência, Lost And Found cativa pela delicadeza e beleza melódica, mesmo sendo montada em estruturas simples. Been Listening destaca o domínio de Johnny nessa alquimia folk-pop / indie rock, sem ser pedante. The Water, dueto com Laura Marling é uma balada lenta e intoxicante: a voz de Laura inevitavelmente eleva a canção e dimensiona Johnny como um vocalista instintivo, mas de limitações de alcance.
Dono de um disco de respeito, Johnny Flynn pode se orgulhar de não ser mais um nome perdido em meio ao hype do Nu-folk ou qualquer outro rótulo inventado para definir quem carrega o peso da comparação e a leveza de um banjo. 7,5/10
Queridinha Laura gravou para o selo Third Man Records um single de 7 ": uma cover de Blues Run The Game, de Jackson C. Frank no lado A e The Needle And The Damage Done, do Neil Young pro lado B. Ambas as faixas produzidas por Jack White: Ouça abaixo:
Parte da elite do Britpop nos anos noventa, o Pulp vai se reunir em 2011, conforme anúncio feito na última segunda-feira (8). Com o Blur e o Oasis, o grupo de Jarvis Cocker se perpetuou como representante legítimo de uma era, ainda que essa era tenha durado alguns poucos anos. Entre 1994 e 1996, o mundo girava em torno da ilha britânica, fervilhando com Trainspotting nos cinemas, o futebol e o despertar de um interesse ancestral do orgulho britânico ( que se reveza eternamente com a não menos ancestral auto-depreciação ). Damon Albarn e os irmãos Gallagher podiam brigar pelos holofotes, mas aquela figura magra e estranha - Jarvis não era um rapazola e o Pulp já era veterano do indie inglês - parecia o contraponto perfeito para a batalha de celebridades: o Pulp ganhou o sucesso de verdade com uma canção sobre uma garota rica se misturando com "gente comum" e Cocker invadiu heroicamente uma apresentação particularmente patética de Michael Jackson no Brit Awards de 96. Durante o próximo verão no hemisfério norte, a formação mais bem sucedida do Pulp estará de volta aos palcos. Certamente serão headliners de algum grande festival inglês. O Primavera Sound, que rola em Barcelona foi o primeiro a anunciar a banda como atração principal. Aqui uma pequena retrospectiva:
O início do reconhecimento popular: do álbum His'n'Hers, de 1994, Babies e Do You Remember The First Time?
O clássico maior de Different Class, álbum de 1995: Common People
Após a ressaca do Britpop e alguns ataques de pânico, saiu o álbum "perturbado" This Is Hardcore, em 1998.
Há quem diga que o cenário de novas cantoras está saturado. Se isso é verdadeiro, mérito de quem consegue se afirmar sem macular sua própria identidade. Luisa Maita chega ao primeiro disco realizando com sucesso aquilo que, felizmente, parece estar se consolidando na música brasileira (pelo menos num espaço mais independente): gente que cresceu ouvindo referências diversas traduz de forma eloquente suas influências, sem enterrar os pés num passado imaculado.
Luisa, a exemplo de outras cantoras citadas aqui mesmo nesse espaço, demonstra articulação e segurança: mesmo sendo seu debut, não sobrou espaço para clichês da linha "promissor", "futura diva" e outros termos gastos. Incrivelmente, há de sobra em Lero-Lero músicas de tons quentes, sensuais, intuitivas. Trabalho firme, de cunho personalista.
A coesão do álbum se dá muito pela produção de Paulo Lepetit, que compreendeu Luísa como uma cantora que joga sempre de maneira forte, mesmo quando canta baixinho. De voz afinadíssima, a garota serpenteia entre os versos, distribuindo emoções de forma difusa e intoxicante; o acompanhamento de tanta força só poderia ser minimal, na dose correta, nem escorregando no exagero, nem sufocando a forma Luisa Maita de entregar canções.
Inegável também que a atmosfera paulistana fica impregnada pelo disco: há sambas e também outras manifestações raramente vinculadas á tradição musical da capital paulista, mas não é por esse pequeno estereótipo que concluímos: a música aqui destila urgência, olhar múltiplo, desapego, confusão: como um retrato de personagens caminhando apressados, vivendo suas próprias experiências entre a opressão e o deslumbramento da megalópole. O grande trunfo de Luisa é extrair tais impressões de forma delicada e sutil, sem que o tom pesado desague num amontoado de referências desconexas. O controle de voz da cantora parece mais fruto de intuição, quase que intrinsicamente feminina, de demonstrar sem expor, de sugerir e não afirmar.
Possuímos aqui um belo exemplar de que a música, quando simplesmente executada com paixão e talento, pode ser brasileira e pop, conjugando a expressividade particular de nossa tradição com a forma contemporânea de articulação. Sem pedir "por favor", Luisa se mostra ao mundo em Lero-Lero como uma bela cantora e compositora. Obrigatório. 8,5/10
E o festival americano SXSW acaba de confirmar suas primeiras atrações para 2011: Confirmados os brasileiros Rosie And Me (Curitiba) , Tiê e Thiago Pethit (SP). Já falamos aqui no blog sobre todos eles (clique nos links). Um dos festivais mais importantes para a nova música, o SXSW reúne bandas, jornalistas, membros da indústria (velha e nova) fonográfica e público compartilhando música e informação em diversos locais espalhados por Austin, Texas. Outros nomes confirmados: A Place To Bury Strangers, Asobi Seksu, Chapel Club, El Guincho, Klaxons, Miami Horror, Pulled Apart By Horses, PS I Love You, Toro Y Moi. Para a lista completa, visite o site oficial aqui. O festival ocorre em março.