Talvez faltem palavras e até mesmo formação para que eu disserte sobre a relação entre os que recebem a arte e aqueles que a produzem; para compreender as emoções sentidas pelo autor da obra e a forma como este a concebeu; e ainda, como um ouvinte filtra essas sensações ao escutar um disco, por exemplo. A questão se aprofunda quando se pretende transformar em texto, analítico, algo que se aprecia quase como um acompanhamento inseparável, de influência indelével. Isso é uma tarefa racional, mas também envolve todas essas questões acima. Por falta de espaço, e repito, de gabarito pra isso, finalizarei aqui essas divagações. Até porque isso é uma resenha.
Tenho escutado Journal de BAD, primeiro disco da Bárbara Eugenia, há alguns dias. E não encontrei melhor forma de iniciar esse texto a não ser propondo essa reflexão entre nossa memória emocional e a crítica de música - ou de qualquer outra forma de arte - após finalmente absorver o que a Barbara oferece nesse álbum. Antes, é preciso dizer que o disco foi belamente produzido, e os músicos que a acompanham na empreitada são talentosos. Concebido no mesmo molde colaborativo em voga na atual cena paulistana, o embrulho garante á cantora que suas composições apenas ganhem alma e consistência. Mas o brilho aqui é todo da carioca que adotou São Paulo há alguns anos.
A voz de Barbara possui uma característica de contenção que contrasta com os fortes versos disparados. Uma contenção que não impede os instintos e nuances, apenas realça a impressionante confiança da entrega. É um disco de alma rocker, mas a exemplo de outros álbuns relacionados a toda a "Baixo Augusta scene"existe em Journal de BAD uma saudável amostra de absorção de influências globais e contemporâneas, de sabor brasileiro não reverencial. De um tropicalismo a uma chanson, de um noir Waits a uma áspera PJ Harvey, de uma celebração carnavalesca a uma melancolia Radioheadiana são feitas as conexões espirituais desse intoxicante álbum.
Certamente devemos evitar clichês relativos a gêneros sempre que possível, mas não é possível evitar a constatação: isso é uma obra de coração e alma femininos, e toda a implicação que essa afirmação carrega: sim, é delicado, romântico. E também apaixonado, visceral, de declarações abertas e de coisas não ditas mas apenas sugeridas, de mistérios e fragilidades. Um mundo complexo, e instigante.
A Chave, levada por um piano pontual vai abrindo o leque de feridas e confissões: " Só porque eu quis casar / você quis fugir / machucou meu coração ", a quebra melódica emociona: " Depois de um tempo me recuperei/ levantei minha auto-estima/ resolvi sair por cima/sem pensar que também errei". Pausa pra respirar. Por Aí é a Barbara que " vai ficar te esperando/ fumando mil cigarros/ tomando Coca-Cola/ na saída da escola " , languidamente em seu vestido florido e botinhas. Embrace My Heart And Stay é derramada " I could melt down / Don't know why all is this empty/ all is this blue/ without you by my side" . "Intenso" é a palavra.
Alguém aqui conhece um coração ferido: Drop The Bombs entrega a visceralidade citada: "Be careful not to choke....I'm not dead...Dont you fool me now, just drop the bombs over my head" Ui. Conforme o álbum avança, a atmosfera mais densa vai se esvaecendo, como se Barbara fizesse a transição entre a catarse e a reflexão, e as melodias seguem esse curso paralelemente, mantendo a coesão. A inclusão de O Tempo , de Fernando Catatau, com toda a pureza sentimental á la Roberto Carlos se encaixa perfeitamente nesse contexto.
Essa impressão de disco de coração partido é apenas parcialmente verdadeira. Acho até que é reducionista. É uma obra pungente, mas é sobre seguir em frente tanto quanto sofrer por alguma desilusão. É sobre viver, e entre as lascas afiadas das fricções humanas surge a beleza. Pelo menos é o que filtrei disso tudo, e é dessa forma que gosto da minha música pop: forte, não contemplativa. Barbara Eugenia é fina e rascante como a garoa fria de São Paulo , com um coração quente como o sol carioca. 8/10
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