quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Don L - Caro Vapor/Vida e Veneno de Don L #resenha


A mixtape DinheiroSexo, Drogas e Violência de Costa a Costa (2007) do grupo cearense Costa a Costa foi como um tiro traçante rasgando o céu escuro do rap nacional do final dos 2000. As alternativas oferecidas ali – diversidade estética, opção pela composição livre, busca pelo timbre, flow de nível AAA – praticamente chamavam os contemporâneos para a reflexão e elevava alguns bons centímetros a altura da barra para um salto perfeito.

De lá pra cá, se você não estava em coma profundo ou lendo apenas colunistas-blogueiros indie, sabe que o rap no Brasil deu seus pulos e estabeleceu padrões altos e provavelmente por isso atraiu público diverso e mais numeroso. Emicida e Criolo lançaram discos importantes e de grande repercussão, gerações cruzadas do underground como Ogi, Kamau, Rincón Sapiência e Rael se fizeram presentes e agrupamentos de apelo com a molecada como os cariocas da Cone Crew ou MCs paulistas como Rashid e Projota reúnem pequenas multidões país afora.

E é neste cenário em que o rap já atingiu o nível de discussão legitimidade versus vendagens, que Don L, um dos criadores da famosa mixtape divisora de águas lança seu trabalho Caro Vapor/Vida e Veneno de Don L. Don já andava agitando as coisas botando sons na rede que evidenciavam a continuidade daquela vibe gangsta-vivendo-e-transando-enquanto-você-só-resmunga, além do tradicional capricho com os beats e rimas, o que parecia um prenúncio de um trampo bom mesmo.

Dá pra resumir a mixtape como uma trilha sonora dos melhores e piores momentos que você pode atingir na vida; não é apenas hedonismo, é a percepção de enxergar o copo meio cheio (de uísque com champanhe e sangue). Não há negação dos obstáculos, inclusive situações horríveis como “assinar um três três” são citadas. Don é amante das alterações da mente que coisas como a bioquímica e o sexo oferecem, da bebida ao suor da parceira, e alimenta suas letras com imagética exemplar, do tipo que te transporta para toda a experiência em si. Algo que normalmente chamamos de inspirador.

Musicalmente, o sentimento doce-amargo predomina, com batidas diversas (assinadas pelo próprio Don e também Billy Gringo, Luiz Café, Alexandre Basa, Papatinho e Casp Beats) arranjadas entre levadas de quem parece contar com prazer naquela mesa de bar uma porrada de coisas loucas que aconteceram. É óbvio que Don ouve muita coisa diferente e deve ter uma coleção de discos pra lá de referenciada (curiosidade: os rappers costumam ter mais -e melhores- discos, rock incluso, do que roqueiros indie low-brow).

Doce Dose mostra que existe amor pelo blues sujo, afinal é ali que reside a dor negra do submundo, ainda que possa ter sido filtrada pela psicodelia de Jim Morrison; Depois das Três é um chamego R’n’B; Me Faz Acreditar é um interlúdio romântico lúdico; Cafetina Seu Mundo originalmente usava um sample do Black Keys, mas a gravadora da banda estadunidense tretou com isso e a solução de utilizar um instrumental resolveu com estilo, é o melhor rock que você ouvirá no ano, porque no final das contas não é rock; Sangue é Champagne , que já rendeu um clipe inacreditável, é uma música que se sustenta apenas por ser melodicamente bem resolvida, um devaneio erótico cheio de alma. De resto, "só" hits potenciais e hip hop essencialmente, já que a base da criação é mesmo a poesia acompanhada das batidas, instrumental e arranjos. A escalação de convidados envolve nomes como Flora Matos, Rael, Terra Preta, entre outros.

Caro Vapor é disco pra ouvir logo pela manhã, não importa o humor; se estiver deprê, escute pra animar; se estiver disposto, dá um gás e colore o dia. Parece tolo, mas coisas assim dizem muito mais sobre a música pop que mil palavras dentro de um texto: é o prazer, a experiência e a inspiração que o trampo de alguém pode te trazer. O próximo cara a tentar o salto vai ver a barra alguns centímetros mais no alto E é só mais uma mixtape. 9/10   

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