A mixtape Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência de Costa a Costa (2007) do grupo cearense Costa a Costa foi
como um tiro traçante rasgando o céu
escuro do rap nacional do final dos 2000. As alternativas oferecidas ali –
diversidade estética, opção pela composição livre, busca pelo timbre, flow de
nível AAA – praticamente chamavam os contemporâneos para a reflexão e elevava alguns
bons centímetros a altura da barra para um salto perfeito.
De lá pra cá, se você não estava
em coma profundo ou lendo apenas colunistas-blogueiros indie, sabe que o rap no Brasil
deu seus pulos e estabeleceu padrões altos e provavelmente por isso atraiu
público diverso e mais numeroso. Emicida e Criolo lançaram discos importantes e
de grande repercussão, gerações cruzadas do underground como Ogi, Kamau,
Rincón Sapiência e Rael se fizeram presentes e agrupamentos de apelo com a
molecada como os cariocas da Cone Crew ou MCs paulistas como Rashid e Projota reúnem pequenas multidões país afora.
E é neste cenário em que o rap já
atingiu o nível de discussão legitimidade versus vendagens, que Don L, um dos
criadores da famosa mixtape divisora de águas lança seu trabalho Caro Vapor/Vida e Veneno de Don L. Don
já andava agitando as coisas botando sons na rede que evidenciavam a
continuidade daquela vibe gangsta-vivendo-e-transando-enquanto-você-só-resmunga, além do tradicional capricho com os beats e rimas, o que parecia um prenúncio de um trampo bom mesmo.
Dá pra resumir a mixtape como uma
trilha sonora dos melhores e piores momentos que você pode atingir na vida; não é apenas
hedonismo, é a percepção de enxergar o copo meio cheio (de uísque com champanhe
e sangue). Não há negação dos obstáculos, inclusive situações horríveis como “assinar
um três três” são citadas. Don é amante das alterações da mente que coisas
como a bioquímica e o sexo oferecem, da bebida ao suor da parceira, e alimenta suas
letras com imagética exemplar, do tipo que te transporta para toda a
experiência em si. Algo que normalmente chamamos de inspirador.
Musicalmente, o sentimento doce-amargo predomina, com batidas diversas (assinadas pelo próprio Don e também Billy Gringo, Luiz Café, Alexandre Basa, Papatinho e Casp Beats) arranjadas entre levadas de quem parece contar com
prazer naquela mesa de bar uma porrada de coisas loucas que aconteceram. É
óbvio que Don ouve muita coisa diferente e deve ter uma coleção de discos pra
lá de referenciada (curiosidade: os rappers costumam ter mais -e melhores-
discos, rock incluso, do que roqueiros indie low-brow).
Doce Dose mostra que existe amor pelo blues sujo, afinal é ali que
reside a dor negra do submundo, ainda que possa ter sido filtrada pela
psicodelia de Jim Morrison; Depois das
Três é um chamego R’n’B; Me Faz
Acreditar é um interlúdio romântico lúdico; Cafetina Seu Mundo originalmente usava um sample do Black Keys, mas
a gravadora da banda estadunidense tretou com isso e a solução de utilizar um
instrumental resolveu com estilo, é o melhor rock que você ouvirá no ano,
porque no final das contas não é rock; Sangue é
Champagne , que já rendeu um clipe inacreditável, é uma música que se
sustenta apenas por ser melodicamente bem resolvida, um devaneio erótico cheio
de alma. De resto, "só" hits potenciais e hip hop essencialmente, já que a base
da criação é mesmo a poesia acompanhada das batidas, instrumental e arranjos. A escalação de convidados envolve nomes como Flora Matos, Rael, Terra Preta, entre outros.
Caro Vapor é disco pra ouvir logo pela manhã, não
importa o humor; se estiver deprê, escute pra animar; se estiver disposto,
dá um gás e colore o dia. Parece tolo, mas coisas assim dizem muito mais sobre
a música pop que mil palavras dentro de um texto: é o prazer, a experiência e a
inspiração que o trampo de alguém pode te trazer. O próximo cara a tentar o salto vai ver a barra alguns centímetros mais no alto E é só mais uma mixtape. 9/10
Baixe Caro Vapor no site da VICE
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