sexta-feira, 15 de julho de 2011

A música de hoje e o jornalismo "com delay"

Jornalista brasileiro respondendo questão proposta pela Pitchfork

Inicialmente esse post seria sobre os melhores discos do ano até agora, aquela coisa que os blogs e revistas fazem pra chamar a atenção e gerar acessos. Mas eu desisti. Primeiro porque deu preguiça, mas o motivo verdadeiro reside não na falta de entusiasmo com a produção musical disponibilizada nos últimos seis meses; consigo citar pelo menos cinco discos, entre nacionais e gringos, que me fazem sorrir só de lembrar que eles existem. Praticamente clássicos instantâneos. Citá-los seria trair a premissa inicial (ou retomar a idéia primordial, já não me lembro). Fato: existe boa música e motivos pra curtir. Mas então porque, quando lemos o conteúdo entregue por aqueles que filtram e analisam a arte (os "especialistas", críticos, escribas, qualquer coisa) bate aquela sensação de desgosto? Vou tentar descobrir, dentro da minha mente, enquanto escrevo esse texto.

Primeiro: digamos que há concordância em relação ao estilhaçamento do pop atual: uma geração inteira teve acesso a uma enorme quantidade de música, e eles estão criando coisas que se posicionam entre décadas diferentes. Aparentemente, uma coisa boa: sem barreiras e preconceitos, poderíamos ouvir novos talentos com grandes coleções de discos em um único HD. Mas reside aí o primeiro fator de preocupação: vejamos, antes tínhamos que realizar as mais bizarras aventuras para descobrir sons feras, porque o acesso era limitado. Havia um processo de depuração, digamos, que levava o nosso cérebro para um crescente estado de curiosidade e inserção de novas informações. Agora a coisa é toda despejada de uma só vez: o moleque vai lá e vasculha a produção de hip-hop da costa oeste nos anos 90 de manhã, jazz latino dos anos 60 á tarde e o college rock noventista de noite. De madrugada, pega o laptop e a guitarra e começa a criar.

Acho que basicamente estamos falando de talento e esforço. Gente que possui enorme conhecimento musical pode ser incapaz de entregar uma nota sequer com inteligência, mas o contrário também é verdadeiro. Então não mudou nada em relação ao passado pré-internet? Mudou, sim: tribos musicais resistem pouco, e a música produzida atualmente chacoalha entre revivalismos diversos e tentativas de vanguardismo, mas até aí é consequência e reação. Contexto, amigos, é algo que cabe aos tais jornalistas. Está claro que esses caras estão confusos e atordoados, mas fingem ter o controle de todos os movimentos em curso.

Uma passagem rápida por blogs e jornais gringos permite a visualização de uma constante, insistente eulogia ao sub-gênero que chamam de chillwave. Não me importo com o que isso quer dizer, mas sou informado que o Twin Shadow e o Toro Y Moi praticam isso aí. Washed Out, Memory Tapes e outros nomes também aparecem. Embora enxergue diferenças de qualidade entre eles, acho que eles praticam o synth-pop. Só isso, sem reducionismos ou revoluções.

Outra vertente que ganhou atenção "branca" recentemente é o rap. Em primeiro lugar, o gênero sempre influenciou e vendeu muitos discos lá fora, mas para boa parcela de blogueiros e especialistas, há um novo estilo, que para eles parece mais rico e menos incompreensível. É como querer ter respeito de rua botando uma corrente em volta do pescoço. Ou fingir que o estilo, como qualquer outro do pop, não é sujeiro á desdobramentos naturais. Tratar como algo novíssimo uma banda como o Odd Future é desconhecer o passado. Não seria nenhum crime (a ignorância), não fosse esse eximível através do exercício puro e simples da pesquisa. Olha a preguiça aí de novo, dessa vez não a minha.

Também temos o rock, sempre precedido pelo termo "indie": esse nunca foi tão reverente aos anos 90. Quem nasceu na época é mais fascinado pela década do que quem já era grandinho. Um pouco previsível, essa coisa cíclica e tudo o mais. Quando não empunhando guitarras temos os admiradores do folk pastoral e da tradição do compositor torturado, ou gente que viaja nos caminhos da psicodelia mais antiga e garageira.

Pulverizado. A eletrônica e suas possibilidades. Revivalismos. Cruzamento de idéias. Conexões globais. Tudo muito recente, e cujo resultado verdadeiro só seremos capazes de definir, como um todo, daqui a algum tempo. Algo ignorado pelos sabichões, que não admitem a confluência e rejeitam o exercício da dúvida.

Aqui no Brasil a coisa fica pior. Primeiro porque os mesmos fenômenos estão ocorrendo: molecada ouve um montão de coisa, sai fazendo som, crítico fica confuso. Daí acha que o rap agora é factível, mas continua "fechado" com os gênios deprimentes da MPB; redefine a palavra "indie" como sinônimo de "gosto sofisticado"; mantém relação incestuosa com músicos (tudo bróder), gravadoras (ainda?) e adentram nesse mundo do empresariado do entretenimento. A bíblia desse povo continua sendo alguma coisa gringa, mas até aí, bem, eu comprava uma porrada de revista e coletava informação delas. Mas uma coisa é tomar como referência de informação, outra é enfiar tudo pra dentro (ui) sem pensar duas vezes. Mas hoje, francamente, pesquisar se tornou bem menos difícil.

Se você ainda está aí, já percebeu que esse texto é um anacronismo total: pretende analisar com mais cuidado a forma como a crítica se coloca diante do pop atual, dá o diagnóstico, é longo demais para o padrão internético e começou com a mesma preguiça que não move o jornalismo musical. Com esperança, termina de forma diferente.

Um comentário:

  1. parabéns pelo texto e pelo blog.
    estou ensaiando há algum tempo pra escrever um texto sobre esse assunto, quem sabe agora animo também.
    bom saber que tem mais gente de olho nessas coisas.

    abraço,


    m.

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