O
melhor momento de um artista é quando seu trabalho está em expansão. Não é a
reinvenção ou o amadurecimento, processos comumente discutidos. Mas o que seria
a expansão? Equilibrar características e distribuí-las de maneira mais ordenada
é talvez o tal do amadurecimento. Implodir conceitos e executar uma estética
diferente seria a reinvenção. A expansão é quando o corpo da obra,
sem perder suas características, incorpora elementos, sua execução contempla
incursões reordenadas e o tecido se torna mais elástico. É algo complexo, e não
tão comum. É o navio de Teseu, trocando peças enquanto navega, sem desembarcar
seus passageiros. Porém aqui ele está construindo novas acomodações
concomitantemente, ao invés de apenas mudar o material.
Don
L está expandindo seu jogo. Desde que o Costa a Costa lançou aquela mixtape, o
cenário do rapper está em constante expansão. A miríade de referências em Dinheiro, Sexo,
Drogas...é forte e corajosa. Em que pese o fato de a criação daquele disco ser
um esforço conjunto, e não individual do Don L, a segurança e autoafirmação do
rapper se sobressaía. O desenho de imagens ensolaradas e divergentes, das
sombras e dificuldades, do submundo e do dinheiro (ou falta dele), das audácias
e das paixões é decidido, forte e voraz. Rápido, como um soco.
"O problema é seu/o mundo é nosso/Então o que nós vai fazer sócio"
"O problema é seu/o mundo é nosso/Então o que nós vai fazer sócio"
O
período seguinte, de canções como “Êxodo e Êxito” e"Pra Mandar se
Fuder", é uma ponte para o que viria a seguir. Demonstra a expectativa de
mudança, a ânsia por coisas maiores. É um momento de preparação, um olhar de
soslaio para trás sem perder o horizonte. É a "crise da meia idade aos 25"
"E
ouvindo os irmãos dizer: 'Don,cê tem que sair do gueto do gueto/é o sul onde
vira algum money, nego'/eu sou mais um nordestino em êxodo e exito/vai
assistindo o êxito"
O
Don L de Caro Vapor é mais incisivo, mais cortante, porém harmonioso, estável.
Trabalhando nas mesmas estradas de luz e escuridão, de essência e entusiasmo
confrontados com uma perspectiva deprimente, a obra aqui já estabelece um
conceito expansivo: das batidas à levada, e principalmente nas letras, o rapper
já acumula milhas na vida, e sem deixar de ser aquele que capitaneou o Costa a
Costa ao status cultuado, entrega exatamente a medida das dores e das ambições.
É um trabalho em que as opções estéticas estão claras, mas, mais do que isso, é
o artista se aprofundando em si mesmo, procurando incorporar tudo o que vê,
sente e deseja, sem prejuízo de seu arsenal de opções.
"Pronto
pra morrer, eu tava na ativa/Eu sei, deveria dar valor à vida"
"Um
pouco de mim em cada dose/um trago de vida/ um trago de morte"
Duas
canções recentes de Don L surgiram na rede: O freestyle em cima de “Minha Lei”,
da Karol Conká e “Verso Livre N.1 – Giramundo”. Aqui entra mais um capítulo
dessa história. Mesmo que sejam pedaços avulsos, sem o invólucro de algo
esteticamente definido, são exemplos de mais um passo expansivo dentro do
escopo do cearense. Já estabelecido em São Paulo, é possível enxergar que o
impacto que a capital paulista dá em seus novos moradores já está imersa na
obra. Além disso, o arcabouço de rimas do MC parece cada vez mais rico,
entrecortado e dinâmico. Mesmo trabalhando em verso livre, há uma estrutura
visível, sem arestas, como um corte fino e elegante. É certo que ao
evoluir sua própria obra, Don L propõe aos demais que o alcancem, ou superem.
"Eu
marcho na estrada corrompida/pra terra prometida/Onde as guerras são antigas
canções/lições de vida"
O
paradoxo do navio de Teseu trabalha questões de identidade. Se as peças de
madeira da embarcação foram trocadas por alumínio no trajeto, quando chega ao
destino o navio é o mesmo que partiu? Por aqui, Don L segue construindo uma
embarcação mais complexa enquanto navega, e com a identidade preservada.
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