terça-feira, 30 de julho de 2013

Lívia Cruz - Muito Mais Amor (resenha)


A palavra mais apropriada para definir o disco de estreia da MC Lívia Cruz é "quente": a imagem e sensação mais recorrentes ao ouvirmos as onze faixas de "Muito Mais Amor" são relativas a universos (lírico e musical) que exalam calor. Ao destrinchar emoções conflituosas das relações afetivas, a cantora não abre mão da pegada forte do rap e evita clichês. 

Embebido em soul e R&B, o hip hop de Lívia - que solta a voz nas rimas fluentes e no canto com a mesma destreza - convence com boa variação de beats e na criação de atmosferas sonoras que ilustram habilmente as estórias descritas. A faixa-título conta uma superação de adversidades através da resiliência do amor como arma, separando o termo de aproximações com a meiguice; o coração aqui pode ser espinhoso. "Só Por Hoje" é a centelha fugaz, o carnal confundindo a mente, no ritmo de uma canção que se oferece dançante e pop. "Diamantes", com participação de Rashid, é uma balada moderna, envernizada por vocais melódicos e afiada pelos versos dos MCs. Difícil escolher possíveis singles de sucesso no disco, não pela falta de hits mas ao contrário pela abundância de potencial pop.

"Imensidão Azul" recolhe as garras e opta pelo andamento lento e sinuoso pra falar de desejo em ambiente altamente sensorial. Outra participação importante é a de Karol de Souza em "Sei Quem eu Sou", um duelo bonito entre vozes femininas dentro de um rap resvalando no grime com um recado: "Daqui de cima eu consigo ver tudo/as Mcs dominando o mundo." As duas últimas músicas são conhecidas: "Não Foi em Vão", escrita sobre o poema "Legítima Defesa" de Elizandra Souza, já rendeu um belo clipe e trata de desilusão e violência, o gosto amargo da contrariedade. O disco se encerra com "Ele é Jogador", dueto com Rael, outra faixa que já havia aparecido com um clipe; um reggae-pop redondo que parece um pouco deslocado da atmosfera mais densa das músicas anteriores, mas acaba sendo fecho mais otimista e leve para o trabalho.

Lívia Cruz percorreu um bom caminho até este "Muito Mais Amor", e sua intenção de retratar o amor em múltiplas facetas (a alegria, a dor, a atração sexual, a desilusão, etc.) funciona ao expor a habilidade nos flows, as escolhas corretas dos beats e evitar rebarbas em faixas enxutas e diretas. Em última análise, acaba sendo uma declaração de amor não linear, daquelas que dão voltas, ao rap e à música como um todo. 8/10            

Baixe o disco por aqui.


Baixe um DJ set do Mike Skinner



É só verificar a tag que você vai confirmar que o Mike Skinner é um figura de alta moral por aqui. Mas com muita razão: o fera, além de ser responsável pelo The Streets, ter escrito um grande livro sobre a vida (na real é sobre a história do The Streets, mas há muitos insights sobre criação, drogas, relações, música ou seja = vida) atualmente farreia com seu novo projeto, The D.O.T. e eventualmente bota lugares abaixo com seu DJ set.  O bacana é que dá pra assistir a um deles, feito para o programa Just Jam da Don't Watch That TVaqui e fazer o download aqui. Geezers, geezer, geezers!

quarta-feira, 24 de julho de 2013

"Transcorreu sem incidentes ou depredações": Racionais MC's na Virada Cultural (video)


Quem viu, viu, quem não viu pode ter uma ideia agora: estamos falando do histórico show do Racionais na Virada Cultural paulistana deste ano. O grupo liberou imagens do bang que, para infelicidade dos vermes, "transcorreu sem incidentes ou depredações." Chora:

sábado, 13 de julho de 2013

Deafheaven - Sunbather (review)


Uma coisa curiosa acontece quando Sunbather, segundo álbum dos californianos do Deafheaven, atinge aproximadamente vinte minutos de execução: a percepção do ouvinte em inadvertidamente tentar categorizar mentalmente o som que transcorreu até este momento se perde em meio a uma grande confusão sônica. Não que o grupo não possua coerência em sua proposta, mas a violenta entrega e o estilhaçamento de referências torna complicada a tarefa de estabelecer um único e generalizante rótulo. A bateria frenética e insistente e os vocais gritados (as letras não são explicitamente satanistas, mas há um certo chameguinho com o coiso) trazem o emblema do black metal que o Deafheaven carregava até então, mas a trama de guitarras se aproxima sempre da melodia shoegazer, os crescendos épicos trazem cores do pós-rock e a catarse imposta pelo andamento vertiginoso é parente do mais deslavado rock de arena e suas vicissitudes.

Então como Sunbather se sustenta como grande trabalho e não apenas uma mistura de difícil digestão? As sete composições do disco são estruturadas como partes relacionadas, takes longos de um filme onírico e estranho. A engenharia das músicas parte de uma premissa fundamental: a aparente quebra rítmica entre os estilos é pulverizada totalmente; caso típico de banda moderna, os ouvidos dos integrantes acostumados com o consumo de música em fragmentos resulta em uma experiência sônica completa e homogênea, em que as partes visíveis dos gêneros são apenas detalhes de um quadro bastante complexo, imagens que se complementam de forma indissociável.

O Deafheaven vai mais longe do que bandas de sonoridade semelhante como Liturgy e Envy, e definitivamente não é apenas o resultado de uma equação envolvendo metal sombrio + Mogwai + My Bloody Valentine. Sunbather é o melhor disco de música pesada do ano até agora. Também é o trabalho mais bonito/horrível a surgir nos últimos tempos. 9/10  

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Ouça o novo som do Amiri



Um dos representantes mais afiados do rap no Brasil está de volta: Amiri retorna com um novíssimo EP, Trinca, sucedendo o ótimo Êta Porra (na nossa opinião um dos grandes discos de 2012). Mantendo seu flow veloz e agressivo, Amiri é mais um exemplo do imenso poder de uma turma aí do rap brasileiro: assertivo, imparável, com personalidade e atitude para ganhar a molecada. Ouça a música que dá nome ao EP abaixo. Dá pra comprar o disco nos shows ou aqui. Via Noisey, braço de lançamentos de música global da Vice:


terça-feira, 9 de julho de 2013

Garotas Suecas - Eu Avisei Você (vídeo)


Rara ocasião em que uma ótima canção ganha um acompanhamento visual igualmente bacana. Registro da música que estará no segundo disco do Garotas Suecas, Feras Míticas, que sairá em breve. Hashtag psychtropicalrocksoulcurtição.   

sexta-feira, 5 de julho de 2013

A fúria negra ressuscita outra vez na gringa



Se o rap estadunidense anda vivendo de espasmos em meio a um marasmo criativo, é de se admirar a chegada de dois discos que revitalizam o cenário com sangue nos olhos: Yeezus, de Kanye West e The Ghetto Is Trynna Kill Me, primeiro trabalho do trio The White Mandingos.

De Kanye podemos esperar tudo, menos o usual: Yeezus divide opiniões, mas é de fato um trabalho que "soca" o ouvinte repetidamente: as distorções digitais, os gritos, a rápida sucessão de emoções, as letras: o homem parece não conseguir conter tamanhas (des)conexões em sua mente, mas ao mesmo tempo domina a técnica da criação musical com maestria.

Já o novíssimo The White Mandingos é formado por um veterano (Darryl Jenifer, do Bad Brains), um editor do Ego Trip (Sacha Jenkins SHR) e um MC (Murs). A reintrodução de elementos como punk rock e reggae por meio de samples e instrumentação afasta a banda do universo pouco orgânico do hip hop nos Estados Unidos.

O que une dois álbuns esteticamente diferentes? O total desprezo pelo padrão mainstream de produção e uma estrutura lírica baseada em confusão mental, contemporaneidade e principalmente, fúria. Seja na complexidade de Yeezus ou na relativa simplicidade de Ghetto Is Trynna Kill Me, existe a faísca raivosa que reergue um pilar da fundação da música negra: a inegável herança de inadequação social e indignação transportada para a arte.

Se Kanye despedaça seus pensamentos, indo do mais inócuo ao mais assertivo em segundos, o White Mandingos é mais direto em seu discurso. De qualquer forma, versos como os encontrados em New Slaves e Ghetto Is Trynna Kill Me são prova de que o negro estadunidense versão anos 2010 não esqueceu das injúrias:

New Slaves - Kanye West:

My momma was raised in an era when
Clean water was only served to the fairer skin
Doing clothes you would have thought I had help
But they wasn't satisfied unless I picked the cotton myself...

And this rich nigga racism
That's that "come here, please buy more"
What you want, a bentley? Aur coat? a diamond chain?
All you blacks want all the same things...

Meanwhile the dea, teamed up with the cca
They tryna lock niggas up, they tryna make new slaves

Minha mãe foi criada em uma época em que
Água limpa só era servida para a pele mais clara
Me visto tão bem que você acha que eu precisei de ajuda
Mas eles não ficam satisfeitos até que eu mesmo colha o algodão..."

"E esse racismo contra o negro rico
Com aquele 'vem aqui, por favor compre mais!'
O que você quer, um Bentley? casaco Aur? uma corrente de diamante?
Todos vocês negros querem as mesmas coisas"

"Mas enquanto isso, o DEA* uniu-se à CCA*
Eles tentam prender os negros, estão tentando fazer novos escravos"

* Divisão do FBI de combate aos narcóticos
* Órgão que administra penitenciárias nos Estados Unidos


Incrivelmente, houve quem tenha interpretado a letra como uma reclamação de Kanye por ser uma celebridade. Um outro trecho da canção traz o verso: "Y'all throwing contracts at me, you know that niggas don't read", ou algo como "Vocês todos jogando contratos em mim, vocês sabem que pretos não sabem ler". Bem, os negros não sabem ler e os brancos indie não sabem escutar.

Já o White Mandingos circula pelo universo da identidade racial, sem perder o foco: "A black president ain't (just ain't) enough for me, four hundred years of oppression that's tough homie"   ("Um presidente negro não é o bastante pra mim, quatrocentos anos de opressão, é pesado mano".)

E a fúria negra ressuscita outra vez...