sexta-feira, 5 de julho de 2013

A fúria negra ressuscita outra vez na gringa



Se o rap estadunidense anda vivendo de espasmos em meio a um marasmo criativo, é de se admirar a chegada de dois discos que revitalizam o cenário com sangue nos olhos: Yeezus, de Kanye West e The Ghetto Is Trynna Kill Me, primeiro trabalho do trio The White Mandingos.

De Kanye podemos esperar tudo, menos o usual: Yeezus divide opiniões, mas é de fato um trabalho que "soca" o ouvinte repetidamente: as distorções digitais, os gritos, a rápida sucessão de emoções, as letras: o homem parece não conseguir conter tamanhas (des)conexões em sua mente, mas ao mesmo tempo domina a técnica da criação musical com maestria.

Já o novíssimo The White Mandingos é formado por um veterano (Darryl Jenifer, do Bad Brains), um editor do Ego Trip (Sacha Jenkins SHR) e um MC (Murs). A reintrodução de elementos como punk rock e reggae por meio de samples e instrumentação afasta a banda do universo pouco orgânico do hip hop nos Estados Unidos.

O que une dois álbuns esteticamente diferentes? O total desprezo pelo padrão mainstream de produção e uma estrutura lírica baseada em confusão mental, contemporaneidade e principalmente, fúria. Seja na complexidade de Yeezus ou na relativa simplicidade de Ghetto Is Trynna Kill Me, existe a faísca raivosa que reergue um pilar da fundação da música negra: a inegável herança de inadequação social e indignação transportada para a arte.

Se Kanye despedaça seus pensamentos, indo do mais inócuo ao mais assertivo em segundos, o White Mandingos é mais direto em seu discurso. De qualquer forma, versos como os encontrados em New Slaves e Ghetto Is Trynna Kill Me são prova de que o negro estadunidense versão anos 2010 não esqueceu das injúrias:

New Slaves - Kanye West:

My momma was raised in an era when
Clean water was only served to the fairer skin
Doing clothes you would have thought I had help
But they wasn't satisfied unless I picked the cotton myself...

And this rich nigga racism
That's that "come here, please buy more"
What you want, a bentley? Aur coat? a diamond chain?
All you blacks want all the same things...

Meanwhile the dea, teamed up with the cca
They tryna lock niggas up, they tryna make new slaves

Minha mãe foi criada em uma época em que
Água limpa só era servida para a pele mais clara
Me visto tão bem que você acha que eu precisei de ajuda
Mas eles não ficam satisfeitos até que eu mesmo colha o algodão..."

"E esse racismo contra o negro rico
Com aquele 'vem aqui, por favor compre mais!'
O que você quer, um Bentley? casaco Aur? uma corrente de diamante?
Todos vocês negros querem as mesmas coisas"

"Mas enquanto isso, o DEA* uniu-se à CCA*
Eles tentam prender os negros, estão tentando fazer novos escravos"

* Divisão do FBI de combate aos narcóticos
* Órgão que administra penitenciárias nos Estados Unidos


Incrivelmente, houve quem tenha interpretado a letra como uma reclamação de Kanye por ser uma celebridade. Um outro trecho da canção traz o verso: "Y'all throwing contracts at me, you know that niggas don't read", ou algo como "Vocês todos jogando contratos em mim, vocês sabem que pretos não sabem ler". Bem, os negros não sabem ler e os brancos indie não sabem escutar.

Já o White Mandingos circula pelo universo da identidade racial, sem perder o foco: "A black president ain't (just ain't) enough for me, four hundred years of oppression that's tough homie"   ("Um presidente negro não é o bastante pra mim, quatrocentos anos de opressão, é pesado mano".)

E a fúria negra ressuscita outra vez...




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