quinta-feira, 5 de maio de 2011

Miles Kane - Colour of the Trap


Interessante notar que gêneros que habitavam as cavernas da apreciação cult agora cresceram de forma descontrolada: as pessoas já acham o Bibio interessante, dão gritinhos pra bandas chillwave, babam pela dark wave/witch house, acham o selo Warp muito legal, a cúmbia, o afrobeat (muitos acreditam ser um "novo som")... Realmente, ser indie hoje em dia dá trabalho, consiste em pulverizar bandas de um dia pro outro, xingar no twitter, cagar regras e AINDA montar aquele set pra festa - enquanto secretamente chora ouvindo Coldplay.

O lance é que o Miles Kane já tocou no Rascals e no Last Shadow Puppets, com seu chapa Alex Turner. O moleque sai agora em carreira solo, carregando uma coisa velha chamada guitarra. Sentimos no ar a desaprovação dos semi-retardados antes mesmo do disco sair. Eu resolvi ouvir, já que esse blog não promove festas, ou finge sortear ingressos para seus leitores. Apenas serve para análises a respeito de discos.

A coisa começa com Come Closer, que parece distanciar claramente o que ouviremos aqui do seu típico indie rock britânico da década passada. Nada a ver com ataquezinhos anêmicos de punk ou pós-punk. É um rock pegador com um refrão gigante, The Who em seu auge mais alguma coisa garageira de verdade. E o Miles toca guitarra como um monstrinho. Rearrange segue com uma produção mais dançante pra um petardo pop, psicodélico ( o riff de Miles é matador demais). My Fantasy é um devaneio folksy e romântico - a construção melódica não é menos que impressionante - claro que voce já ouviu coisas assim antes, mas e daí? A gente chama isso de música atemporal. Como o Salem soará daqui a dez anos? Counting Down The Days é The Jam com uma perna no Kinks fase psicodélica mas soa perfeita pra 2011. Better Left Invisible chama pra briga: o equivalente sonoro de uma noite violenta no pub, baixo na testa e ganchos guitarrísticos. Quicksand é mais um exemplo de criação: apelando para os pá-pá-pás sessentistas mas incluindo pequenos truques e uma onipresente sessão de solos cósmicos. Isso é só a metade do disco. Te deixa pilhadão mais que a discografia inteira do Animal Collective.

A segunda metade também é uma maravilha, abrindo com a animalesca Inhaler - o primeiro single, lançado em 2010. E o "yeah yeah yeah" de Miles é tão brilhante quanto o de Liam Gallagher em 94. Nessa época, Miles tinha 8 anos. Kingcrawler, bastante percussiva e levada pela voz de Miles é instigante. Take The Night From Me é baladona, mas pende mais pro ar heróico/ decadente de um Richard Hawley do que pra trilha de seriado americano. Telepathy insere uns traquejos de surf-thrash para desenhar a canção noir. Happenstance é um dueto com uma modelo francesa(Clemence Poesy), só pra mostrar que o guri, que já andou pegando Agyness Deyn, é fodão. A canção título encerra belamente a estreia: irmão espiritual de Alex Turner, a música soa como algo que Turner compôs para a trilha do filme Submarine: frágil, simples e bonita.

Sabe qual a conclusão? Miles Kane talvez tenha lançado o melhor disco de rock britânico dos últimos dez anos. Eu estou dizendo que, bem, isso aqui é o que o Oasis fazia nos anos 90. Mastigar profundas referências clássicas e cuspí-las em forma de canções universais, sem frescuras. E o Miles é o compositor talentoso que eleva o padrão, de pastiche para excelência. Pra melhorar, ele toca guitarra melhor que o Noel, mas canta com a absurda confiança e arrogância do jovem Liam. Evidentemente o disco será execrado por aqueles que professam seu amor ao onanismo (Pitchfork e associados brasileiros). Isso é um disco de rock neanderthal. E é isso que o faz ser tão essencial, porque neguinho já tinha apostado que o TuNe YarDs ou sei lá o que era a salvação da lavoura. Apenas não chame isso de indie, seria um erro e uma ofensa grave. 9/10

Miles tocará dia 29 de Maio no Parque da Independência (SP) dentro do Cultura Inglesa Festival. De graça. Também estarão lá a dupla barulhenta Blood Red Shoes e os heróis pós-punk do Gang Of Four. Voce, que foi no show do Vampire Weekend, não é público alvo. As emoções podem ser fortes demais pro seu coraçãozinho cínico.

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