segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Juliana Kehl - Juliana Kehl


Um dos prazeres esquecidos pelo avanço da música digital é a descoberta tardia de uma banda/artista através do conselho da loja de discos. Algo como achar uma pequena pérola perdida nas prateleiras, conhecida apenas pelo ouvido atento do vendedor. Hoje em dia somos bombardeados de coisas novas sendo lançadas no ciberespaço, gerando duas situações distintas: temos acesso á produção musical quase em tempo real; o volume de gigabytes é tão grandioso que seria mentiroso afirmar ser possível realmente ouvir com a atenção necessária a todos os lançamentos.

O primeiro parágrafo serve como mea-culpa pela desatenção - desses ouvidos - ao primeiro disco da paulistana Juliana Kehl. Lançado em 2009, também funciona como exemplo da bela safra de bandas, cantoras e compositores em ação na capital paulista. Alguns desses artistas vão traçando um caminho próprio, dentro de uma cena independente, o que pode provocar esse efeito de ação retardada. Mas isso também é positivo, já que não há exposição demasiadamente concentrada em um período: a música vai ganhando peso e distribuição de forma progressiva.

Assinando a maioria das composições, Juliana demonstra peculiar segurança pra quem está estreando: a presença de músicos reconhecidamente talentosos como Dudu Tsuda, Marcelo Jeneci, Guilherme Kastrup, pra citar só alguns, e a produção de Gustavo Ruiz e Dipa não eclipsam o trabalho da cantora. Ao contrário, o diálogo entre a voz melodiosa e equilibrada de Juliana com a excelência na execução e nos arranjos é muito perceptível. Vale a anotação aqui: essa participação de músicos em discos uns dos outros não resulta numa estética musical engessada: a característica de cada compositor é respeitada.

No caso de Juliana as características são: delicadeza, lirismo e uma busca pela beleza melódica. A voz sempre bem modulada passeia com habilidade pelos versos construídos com esmero . Rede de Varanda combina essas características: introduz de forma cuidadosa os ritmos brasileiros filtrados por ouvidos abertos ao pop contemporâneo, soando organicamente atual, sem recorrer ao já ultrapassado expediente de introduzir batidas eletrônicas datadas a um adorno "regional". Viação Cometa possui fluidez exemplar, um hit classudo em uma rádio dos sonhos. A Música Mais Bonita mostra slide guitars, teclados e um uso dos espaços que permite á Juliana carregar as nuances melódicas em sua voz como complemento especial. Tá Perdido, Nego é um exemplo de emoção incontida nas letras, de entrega dócil e suingada.

Juliana Kehl representa muito bem esse despojamento de rituais revivalistas: injeta frescor e timing pop, sem abrir mão da "brasilidade". De forma low profile, cantoras como ela esbanjam talento sem pedir a benção dos semi-deuses. Se encontrarmos com frequência trabalhos tão instigantes como esse, a velha sensação prazerosa de novas descobertas musicais se tornará menos rara. 7,5/10

Nenhum comentário:

Postar um comentário