Provavelmente já chegou aos seus ouvidos a nova do Emicida (em caso negativo, pelamor, ouve lá embaixo antes), Dedonaferida. A música bate forte como outros hits do rapper da ZN paulistana, mas é abertamente um protesto contra a política praticada em terras bandeirantes. Citando nominalmente, entre outras, as tragédias do Pinheirinho, da Cracolândia e a da favela do Moinho, o MC dispara, com a ajuda de scratches poderosos (devidamente destrinchados nessa matéria da Vice) e versos pontiagudos, contra os governantes - os oficiais e os não-oficiais - da federação mais rica do país. Muita gente deve ter torcido o nariz: em uma tentativa de criar discórdia ou por pura má intenção, a geração do "novo rap" foi rotulada por midiáticos de pouca firmeza como uma diluição, uma adequação para consumo para dentro do centro expandido. Emicida sendo tão abertamente político? Que loucura, diriam os incautos. O fato é que a abordagem mais pesada realmente é uma novidade, mas novamente precisamos exercitar minimamente nossa capacidade de reflexão e contexto: uma geração que cresceu sob novos parâmetros, perspectivas e possibilidades resolve praticar o rap, ser o rap com a mesma paixão de quem desbravou o mundão antes. Mas o país passa por mudanças, a garotada se enxerga de maneiras distintas, novas soluções aparecem, e embora problemas crônicos insistam em incomodar, a entrega é diferente por todos esses motivos. Emicida e seus pares Criolo, Ogi, Projota, Rashid, Don L., Lurdez da Luz e muitos outros retratam os percalços da vida real, das ruas, embora de forma mais sinuosa. Celebratório também é incendiário.O mais engraçado é que os repórteres de gravata não compreendem nuances, muito menos gírias. O "rap antigo" também já foi pungente E divertido. Mas os tempos mudam. Reproduzir infinitamente um código de conduta e receita estética enforca qualquer gênero, algo que foi percebido a tempo e que resultou nessa geração mais heterogênea - mas não menos ligada em certas questões pertinentes - dos anos 10.
A música popular, e o rap em particular, sempre reagiu ao ambiente externo. Emicida não está dando resposta para quem o acusa de ser "vendido". Ele simplesmente sentiu o recrudescimento das políticas aplicadas aos cidadãos de baixa renda, que percorre o caminho da extrema direita em rogar para si o direito de impor velhas teorias reacionárias em diversos pontos de sustentação da sociedade: nas ruas, nas favelas, nos bares, nas faculdades, quase tudo é vigiado (não no sentido de segurança), proibido ou acaba em violência extrema por parte do Estado. São Paulo parece anestesiada pelas questões morais e religiosas levantadas nas ultimas eleições presidenciais: nos anos seguintes, não por acaso, gente que se escondia encontrou representação e passou a formular e praticar atos cristãos como espancamentos de homossexuais e outras amenidades (o texto e a entrevista do Arthur Dantas no site oficial do Emicida reforçam essa percepção do artista). Portanto, acredito que teremos mais diálogos musicais desse tipo partindo do hip hop durante esse ano, como reação ao ambiente pesado dos acontecimentos recentes. Não seria uma capitulação às pressões do público rap mais radical, nem mesmo retrocesso no caminho percorrido, que envolve o conceito de diversão como parte do pensamento e da atitude civil. Apenas um Foda-se aos que pensam pequeno mas são capazes de fazer grandes estragos. É um alerta, um hino ou uma fagulha: de qualquer forma, muito bem-vinda.
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