quarta-feira, 28 de março de 2012

Blood Red Shoes - In Time to Voices


Se uma característica do pop atual é a diversidade e o hibridismo, também é verdadeiro que certas premissas relacionadas ao passado resistem. Entre discussões a respeito do reaproveitamento do passado através de uma visão multiplicada por referências entrelaçadas, há espaço para aqueles que caminham em um espaço mais delimitado. Mais do que escolhas estéticas revivalistas em relação aos métodos antigos de produção, algumas bandas trabalham mais confortavelmente em uma esfera pré-internet, lugar imaginário em que influências de adolescência ainda soam mais fortes e importantes para a composição do que uma cornucópia de sons e informações. A dupla inglesa Blood Red Shoes possui uma ligação clara com o rock estadunidense dos anos noventa: desde a criação da aspereza melódica de grupos como Babes in Toyland e Breeders (que os convidou para uma edição do festival ATP) passando por toda a comoção punk do Fugazi e Sonic Youth e a agitação grunge do Nirvana. Um compêndio de "rock alternativo" de quem era gurizinho e curtia a simbologia quase espiritual da época.  

Essa premissa colocou a banda de Brighton longe das festividades pós-Britpop da ilha, que gravitou inevitavelmente em pequenos agrupamentos de medíocres buscando uma forma de enquadrar o conceito de "indie" encaminhado pelos Strokes em uma nova embalagem de Cool Britannia. Os dois primeiros discos do Blood Red Shoes caminharam longe da badalação habitual, mas não consagraram a banda como alternativa relevante à apatia da cena de rock inglês: ainda em grande débito com fórmulas e respeito demasiado aos seus heróis, Box of Secrets (2008) e Fire Like This (2010) não passaram de trabalhos interessantes, em que a energia estava canalizada na forma e estrutura, mas carente de composições mais eloquentes. In Time to Voices, o novo álbum, não apenas evolui em comparação direta com a abordagem citada, mas se constitui em um ótimo exercício de rock; uma surpreendente evolução.

A música praticada aqui transforma a dinâmica engessada loud-quiet-loud em algo mais sofisticado: como toda boa guitarrista, Laura-Mary Carter utiliza suas customizações de pedais e amplificadores, dessa vez praticando uma contenção mais inteligente e intuitiva, como na abertura com a faixa-título.Perceptível também é a captação da boa voz de Laura, evidente nas apresentações ao vivo mas descalibrada anteriormente. Acompanhando sua companheira, a bateria de Steven Ansell se mostra mais comedida e equilibrada. Essa segurança só se tornou possível porque está envolta em composições mais robustas; Lost Kids flui com a duplicação de acordes de Laura, tecendo um clima envolvente. O single Cold traz um belo pedaço de pop espinhoso, um ataque de impulsos com Carter e Ansell dividindo a cena, nos vocais fortes (Steven é Dave Grohl melhorado e Laura uma riot grrrl afiada) e em seus respectivos instrumentos. 

No recheio do álbum, a prova de que a dupla se livrou do excesso de referências: uma sequência de músicas mais lentas, utilizando recursos de estúdio para um efeito expansivo: vozes que se harmonizam, canções divididas em partes, sobreposições e refrões menos bombásticos - mas não menos efetivos - compõem um cenário mais rico e diverso: O aceno psicodélico de Two Dead Minutes, a quente e bela The Silence and the Drones e a acústica Night Light representam um passo diferente no repertório da banda. As letras que retratam decepções e conflitos pessoais avançaram do estágio grunge-for-dummies para algo verdadeiramente arrebatador, se não exatamente profundo. Há espaço para uma ligação mais emocional com o ouvinte, tanto em aproximações mais delicadas como Stop Kicking e Slip Into Blue como em uma pedrada de um minuto e meio (Je Me Perds). 

O Blood Red Shoes criou um disco que não abandona as virtudes mostradas anteriormente mas amplia consideravelmente seu espectro musical. Equilibrando peso, sujeira e melodia, envoltos em composições mais robustas, os ingleses fazem de In Time to Voices um álbum de rock cascudo anos noventa que soa bem em 2012. Decerto não estamos diante de uma fúria inteligente estilo Piccioto/MacKaye ou de uma química torta dos Pixies, mas de herdeiros de uma era mais pra bagaceira do que indie-propaganda da Apple. Quando se apresentaram em um gelado Parque da Independência, em São Paulo, no ano passado, uma plateia de adolescentes excitados cantava as canções com apego. Eles ignoraram a atração seguinte do festival, Miles Kane, enquanto tentavam pegar os CDs distribuídos pela dupla, que parou pra trocar ideia após o show. Em plena era do Mp3, ou talvez por causa dela , havia ali uma agitação legítima em torno de uma banda pouco conhecida no país. O Blood Red Shoes caminha para não ser deletado tão cedo dos Ipods mundo afora. 7,5/10                 



quinta-feira, 22 de março de 2012

The Cribs com novo single: Assista ao vídeo


Os irmãos Jarman voltarão com seu quinto disco, In The Belly of The Brazen Bull, a ser lançado dia 7 de maio no Reino Unido. O primeiro vídeo extraído do novo trabalho é mais um lançamento do canal do Noisey no Youtube (responsáveis por Waasup, do ASAP Rocky e Bad Girls, da MIA). Come On...segue a fórmula punk-pop garageira do Cribs, com a adição de um bem-vindo toque grunge. A breve passagem de Johnny Marr pela banda (única coisa lembrada pela mídia especializada brasileira quando os caras estiveram por aqui ano passado) não deixou saudades. Quando entrevistei o grupo em 2011 eles diziam estar em dúvida se deveriam deixar seu som mais "polido" e produzido com grandiosidade ou apenas manter a postura fita magnética-sujeira-rocker. Pelo jeito venceu a segunda opção. Mas há mais do que apenas poeira indie na sonoridade do trio, que trabalha com produtores diferentes a cada álbum. Assista ao vídeo de Come On, Be A No-One :
    

segunda-feira, 19 de março de 2012

Baixe o novo disco do Fóssil, "Mocumentário"



A banda cearense Fóssil está lançando oficialmente hoje seu mais novo álbum de estúdio, Mocumentário. Não por acaso, 19 de março é dia de São José, padroeiro do Ceará. 

domingo, 11 de março de 2012

Emicida versus Reaças, primeiro round


Provavelmente já chegou aos seus ouvidos a nova do Emicida (em caso negativo, pelamor, ouve lá embaixo antes), Dedonaferida. A música bate forte como outros hits do rapper da ZN paulistana, mas é abertamente um protesto contra a política praticada em terras bandeirantes. Citando nominalmente, entre outras, as tragédias do Pinheirinho, da Cracolândia e a da favela do Moinho, o MC dispara, com a ajuda de scratches poderosos (devidamente destrinchados nessa matéria da Vice) e versos pontiagudos, contra os governantes - os oficiais e os não-oficiais - da federação mais rica do país. Muita gente deve ter torcido o nariz: em uma tentativa de criar discórdia ou por pura má intenção, a geração do "novo rap" foi rotulada por midiáticos de pouca firmeza como uma diluição, uma adequação para consumo para dentro do centro expandido. Emicida sendo tão abertamente político? Que loucura, diriam os incautos. O fato é que a abordagem mais pesada realmente é uma novidade, mas novamente precisamos exercitar minimamente nossa capacidade de reflexão e contexto: uma geração que cresceu sob novos parâmetros, perspectivas e possibilidades resolve praticar o rap, ser o rap com a mesma paixão de quem desbravou o mundão antes. Mas o país passa por mudanças, a garotada se enxerga de maneiras distintas, novas soluções aparecem, e embora problemas crônicos insistam em incomodar, a entrega é diferente por todos esses motivos. Emicida e seus pares Criolo, Ogi, Projota, Rashid, Don L., Lurdez da Luz e muitos outros retratam os percalços da vida real, das ruas, embora de forma mais sinuosa. Celebratório também é incendiário.O mais engraçado é que os repórteres de gravata não compreendem nuances, muito menos gírias. O "rap antigo" também já foi pungente E divertido. Mas os tempos mudam. Reproduzir infinitamente um código de conduta e receita estética enforca qualquer gênero, algo que foi percebido a tempo e que resultou nessa geração mais heterogênea - mas não menos ligada em certas questões pertinentes - dos anos 10.

A música popular, e o rap em particular, sempre reagiu ao ambiente externo. Emicida não está dando resposta para quem o acusa de ser "vendido". Ele simplesmente sentiu o recrudescimento das políticas aplicadas aos cidadãos de baixa renda, que percorre o caminho da extrema direita em rogar para si o direito de impor velhas teorias reacionárias em diversos pontos de sustentação da sociedade: nas ruas, nas favelas, nos bares, nas faculdades, quase tudo é vigiado (não no sentido de segurança), proibido ou acaba em violência extrema por parte do Estado. São Paulo parece anestesiada pelas questões morais e religiosas levantadas nas ultimas eleições presidenciais: nos anos seguintes, não por acaso, gente que se escondia encontrou representação e passou a formular e praticar atos cristãos como espancamentos de homossexuais e outras amenidades (o texto e a entrevista do Arthur Dantas no site oficial do Emicida reforçam essa percepção do artista). Portanto, acredito que teremos mais diálogos musicais desse tipo partindo do hip hop durante esse ano, como reação ao ambiente pesado dos acontecimentos recentes. Não seria uma capitulação às pressões do público rap mais radical, nem mesmo retrocesso no caminho percorrido, que envolve o conceito de diversão como parte do pensamento e da atitude civil. Apenas um Foda-se aos que pensam pequeno mas são capazes de fazer grandes estragos. É um alerta, um hino ou uma fagulha: de qualquer forma, muito bem-vinda.  
         

segunda-feira, 5 de março de 2012

Ouça a colaboração Burial + Four Tet


Há muito tempo atrás era comum a ansiedade pela espera de um lançamento e a dificuldade em conseguir o acesso às mídias até então físicas da relação entre música e ouvintes. Por sorte os tempos são outros, e surpresas agradáveis chegam facilmente aos ouvidos mundo afora. Um simples tuíte pode mudar seu humor em um domingo preguiçoso. O presente da vez foi dado por Kieran Hebden aka Four Tet ontem (04/03) através de seu twitter oficial: um link para o streaming da canção Nova, uma colaboração do Four Tet com o produtor Burial. Dois dos mais incensados nomes da música eletrônica atual reunidos. Resultado?

A faixa demonstra uma boa química entre os criadores, reunindo características de cada um deles: Burial constrói seu caminho através de uma distribuição de batidas agressivas e soturnas, abstratas. O Four Tet utiliza crescendos melódicos mais orgânicos e desacelerados. Ambos adoram sobreposições, camadas e sutilezas, criando paisagens sonoras ricas. Música altamente sensorial e imagética. Nova talvez não realize plenamente a grandiosidade que o encontro sugere, mas ainda assim é mais do que mera curiosidade. Sob aparente simplicidade, muitas qualidades podem ser encontradas: com andamento bem marcado pelos beats, há uma dinâmica flutuante de vozes e teclados distorcidos e outras inserções hipnóticas. Ouça a colaboração abaixo:



O Four Tet estará no Sónar São Paulo em Maio.