Seguindo com nossa nova série de posts, dessa vez é o pessoal do Some Community que conta qual foi o primeiro disco da vida deles. Com a palavra, a vocalista Juliana e o guitarrista Fernando:
Juliana:
"O primeiro disco que eu comprei com um dinheiro que tinha guardado foi um cd do Depeche Mode Songs of Faith and Devotion. Nesta época eu já assistia MTV e tinha ficado fissurada no clipe e na música One Caress e naquela época o único jeito de ter uma música pra ouvir no repeat era comprar o cd... Comprei e fiquei louca com as outras músicas. O disco inteiro é foda. Eu sempre ouvi mais rock do que outras coisas mas naquela época não acredito que tinha um gosto musical muito demarcado. Não sabia quem era o Depeche Mode pra história da música mas adorava aquilo e ouvia sem parar. Aliás eu tenho essa mania de escutar coisas no repeat por um tempo longo...Ah, eu devia ter uns 11/12 anos nessa época."
Oitavo disco da banda inglesa, Songs of Faith and Devotion foi lançado em 1993, em meio ao furacão grunge. Pop eletrônico sombrio com influências e arranjos mais pesados na fórmula. Os fãs do grupo teriam de esperar mais quatro anos para um novo álbum de inéditas, devido ao sério problema de Dave Gahan com a heroína durante a turnê de ...Faith and Devotion.
Fernando:
"O primeiro disco que me marcou foi um que meu pai comprou pra mim.O Loaded do Velvet Underground. Eu lembro que estavamos na galeria do rock e ele me disse que esse disco ia mudar minha vida. Ele tinha toda a razão do mundo (risos)."
Lançado em 1970, Loaded foi o último álbum da banda novaiorquina com Lou Reed à frente. Para muitos, o quarto disco do Velvet Underground é o mais bem realizado de toda a discografia. Clássicos como Sweet Jane, Rock & Roll e I Found a Reason reforçam a ideia.
Taí uma nova seção do blog: perguntamos pra uma porrada de gente boa qual foi o primeiro disco que eles compraram na vida. Por disco, entenda-se qualquer formato que tenha introduzido nossos ilustres convidados em uma imersão musical sem retorno. Pra começar quente, Lê Almeida, o cara que lançou esse ano o Mono Maçã, ótimo disco de rock garageiro lo-fi e melódico e que comanda a gravadora Transfusão Noise Records diretamente da baixada fluminense, sempre no esquema "muita inspiração com pouco recurso", difundindo o auto proclamado "roque de guitarra" para o mundo.Fala aí, Lê:
"Então, o primeiro disco que comprei com consciencia mesmo acho que foi o In Utero do Nirvana, eu já conhecia o acústico, Nevermind e o Bleach na época mas o In Utero chapou com a minha cabeça e as minhas viagens. Lembro que ouvia o disco no rádio da minha vó o tempo todo e na minha cabeça sempre passava a ideia ruim de que embora no disco tudo fosse tão real e bonito eu de fato nunca veria ao vivo, fato triste. Nessa época eu andava de skate com uma turma e esse disco foi muito trilha. "
Banda: Nirvana
Álbum: In Utero (1993)
Nota: Último álbum de estúdio da banda, um disco que mostrava um Cobain revelando seus atributos e conflitos: tumultuado liricamente, com músicas que colidiam freneticamente entre as referências melódicas pop e a agressividade punk.
O ator inglês Dominic West, o policial McNulty da antológica série The Wire (exibida pela HBO nos EUA entre 2002 e 2008) certa vez fez um comentário a respeito da grande presença de atores britânicos na tv americana: West via uma grande oportunidade de fugir dos dramas de época da BBC, segundo ele muito bem feitos mas que limitavam sua performance e o alcance junto ao público exatamente por seguirem fórmulas definidas e não contemporâneas; exemplificou demonstrando que sempre era escalado para papéis de aristocrata, enquanto McNulty e The Wire representavam uma realidade atual e um personagem da classe trabalhadora. Dominic está de volta á tv britânica com a série The Hour, algo que se situa em um meio termo entre as escolhas observadas anteriormente: o programa não se situa temporalmente no período pré-guerras, mas também não se passa nos tempos atuais, mas sim em 1956. Hector Madden, seu personagem, possui um perfil mais ligado ao oportunismo burguês do que a um lorde imperial.
The Hour segue o interlaçamento de relações entre Hector Madden, Freddie Lyon (Ben Whishaw) e Bel Rowley (Romola Garai): Bel é a produtora jovem e dinâmica do programa jornalístico The Hour, recém aprovado na grade da então ultra conservadora BBC; auxiliada pelo seu amigo íntimo Freddie, um repórter audacioso e temperamental, tentam dar vida a uma certa independência jornalística: Madden, é o âncora escolhido pela direção devido aos seus bons contatos na alta sociedade e que disputará o espaço com Freddie - profissionalmente, e também pelo afeto de Bel. Em meio aos eventos políticos do pós guerra - a crise do canal de Suez, um grande golpe no decadente império britânico - uma trama envolvendo misteriosos assassinatos.
Os ingredientes estão lá: mudanças sociais e políticas (Bel é uma mulher que chefia um grande programa e se envolve com o casado Hector Madden, Freddie ascende profissionalmente apesar de sua origem pobre, imigrantes dos países descolonizados aportam em massa pela Grã- Bretanha encontrando o racismo de um país alienado por devaneios e frivolidades, etc). A série opta por dividir o espaço do drama com o suspense, quando aponta para o envolvimento de agentes secretos e poderes obscuros na morte de uma amiga de infância de Freddie. O perigo de perder o foco vai sendo dissipado ao longo dos episódios - são seis no total - e a direção e roteiro de Abi Morgan equilibram os pratos em parte pela interpretação mais do que adequada do trio principal e de coadjuvantes precisos. A dimensão dos personagens também vai se ampliando ao longo do programa, e nuances começam a fazer sentido de forma harmônica: a tensão sexual entre a esguia Bel e o galã Hector em contraste com o amor platônico do esquelético Freddie por Bel evita clichês dos triângulos amorosos.
A música ouvida na Londres de 1956 era predominantemente ligada á crescente influência da cultura norte-americana, passando pelo jazz e pela pré história do rock, com Bill Haley, mas também começava a incorporar os sons trazidos pelos imigrantes das ex-colônias africanas e caribenhas (esses últimos ainda sem grande penetração entre brancos da classe média).
Dominic West voltou a estrelar um programa da BBC, mas não conseguiu ainda seu sonhado papel de trabalhador comum em uma série com fundo contemporâneo em seu país; pelo menos The Hour é um bom show, muito mais do que um Mad Men genérico.
O novo EP dos californianos do Trash Talk sai amanhã (11/09) nos EUA pelo selo True Panther Sounds. Contendo cinco faixas, Awake sucede o álbum Eyes & Nines (2010) e o split lançado com a banda Wavves. O disquinho já rendeu dois videoclipes que você confere aí embaixo, no melhor estilo agressivo do hardcore praticado pelo quarteto: tags óbvias: skate or die, fuck tha police...
Talvez seja sintoma de uma crítica recheada de vícios que o preâmbulo de uma resenha seja dedicada não ao conteúdo musical em si, mas à percepção que existe em relação ao autor da obra. Simplesmente por força contextual, é importante lembrar que Mallu Magalhães surgiu como prodígio aos 15, foi alçada a uma condição de estrela de uma suposta cena indie-folk paulistana (mentira, nunca existiu), para rapidamente decair no conceito de parte da imprensa especializada, sob acusação de fazer música simples e inofensiva demais, como uma espécie de fenômeno adolescente descartável. Para além disso, argumentos que sustentavam essa percepção esbarravam perigosamente em concepções vazias, e não raro sexistas. Mais uma vez, uma discussão saudável sobre os méritos - ou falta de qualidade - da compositora foram deixados de lado para dar espaço ao conjunto de erros que atrapalham a credibilidade dos textos sobre música no Brasil: falta de opinião e/ou informação incompleta e/ou inconsistência argumentativa.
Ok, agora podemos falar do que interessa: Pitanga é o terceiro álbum da cantora paulistana, uma marca impressionante para seus 19 anos de idade. O disco foi gravado em São Paulo com a produção de Marcelo Camelo, e o ritmo das gravações avançou lentamente (Mallu descreveu o processo em detalhes em seu blog). Uma das primeiras impressões era a de que o esmero em encontrar timbres corretos pudesse tornar o álbum polido demais, pensado em demasia, e que o elemento de dinamismo pudesse se perder. A tal insegurança descrita pela cantora em seu blog nas escolhas feitas, aliada a uma admirável voracidade em conhecer a obra de artistas diversos sinalizava que Pitanga poderia ser carregado demais: em referências, em arranjos, em devaneios. A primeira grande surpresa é que, das doze faixas, apenas quatro ultrapassam a casa dos dois minutos. E apertando o play qualquer suspeita de pretensão mal concebida de desfaz.
Velha e Louca traz um equilíbrio entre a preferência pela melodia, uma letra mais esperta, levada por uma valsa bluesy entremeada por um recheio bem leve e preciso, Mallu soando mais direta nos versos: "Pode falar que eu não ligo/agora, amigo/eu tô em outra/ eu tô ficando velha, eu tô ficando louca." Cena se aproxima daquela admiração pela música brasileira, e chama a atenção novamente pelos arranjos: Camelo deixou espaços e ambientes dentro das canções sem abandonar a busca pelo tiro certeiro. Daí a explicação para a busca pelos instrumentos específicos e takes adequados que consumiu tanto tempo e trabalho no estúdio. Essa Mallu de Pitanga "tem um coração vulcânico." Sambinha Bom e Olha só, Moreno são baladas abertamente românticas, mas permitem que se encontrem brechas de fragilidade que enriquecem o trabalho da garota como compositora: "E eu me pergunto o que é que eu sou/mas eu não sou mesmo nada...e eu tenho tanto medo." É um grau de construção lírica que a Mallu de discos anteriores costumava evitar, ou apenas não possuía a maturidade para expor. A metade de Pitanga é fechada com Por que voce Faz Assim Comigo: talvez a mais bem entregue canção da carreira da cantora, é adornada por uma instrumentação esparsa na aparência - mas que preenche espaços de forma bela - "Talvez eu deva ser forte/pedir ao mar por mais sorte/e aprender a navegar": Tchubaruba isso não é.
O "lado B" do trabalho mantém a coerência e qualidade apresentadas no início. Na verdade, aqui já podemos identificar outra característica do álbum: dentro das pequenas canções, há momentos, detalhes e curvas que se traduzem de maneira sutil, fazendo com que a audição repetida seja um exercício recompensador. Baby I'm Sure e In The Morning são curtíssimas e ricas. Lonely é mais linear, mas com enorme segurança se impõe através de uma das melhores melodias do disco; Highly Sensitive adiciona um bem vindo aceno ao rock rápido e rasteiro. Cais encerra o trabalho com uma delicada transposição de pianos e ruídos.
Pitanga é o melhor disco de Mallu Magalhães: ela nunca soou tão confortável com sua voz (algo perceptível em apresentações recentes): modulando seus alcances e usando mais a intuição, nem as limitações atrapalham o desenvolvimento da harmonia; suas composições agora possuem letras mais diretas, que denotam emoções menos superficiais, ao mesmo tempo em que suas referências tão grandiosas e díspares (Dylan, Vinícius, Billie Holiday, Gainsbourg, Luiz Bonfá, Mutantes, Ella Fizgerald, etc.) são incorporadas em pequenos pedaços, como quem se assume como aprendiz e não inventora. Sem nenhuma condescendência quanto á idade ou resistências baseadas em preconceitos bobos, Pitanga pode ser considerado um álbum de confirmação, embora ainda deixe espaço para a visão de melhorias. Mallu Magalhães vai ficando mais velha (ou menos nova), mas seu trabalho só melhora. 8/10
Leslie Feist possui uma folha corrida no circuito independente do Canadá, já que circulou por bandas diferentes e menos conhecidas desde os anos 90, no cultuado Broken Social Scene, com a Peaches e até mesmo já teve composição reinventada pelo inglês James Blake. Mas a maioria das pessoas vai se referir á moça como "fofinha do indie-pop", porque seu álbum lançado em 2007, The Reminder, alcançou as paradas impulsionado pelo hit 1234, que ilustrou propaganda da Apple e rendeu vídeozinho viral. Parece que o sucesso trouxe algum tipo de reflexão, já que Feist só retornou com novo trabalho agora: Metals, e o que o disco oferece é algo que funciona como um contraponto mais introspectivo e dark, deixando o brilho leve do trabalho anterior para trás.
The Bad In Each Other inicia com andamento marcado por bateria e lamentos carregados até encontrar um refrão adornado por arranjos de cordas, num joguete que serve de parâmetro para o clima do disco: perfil mais quieto, crescendos menos óbvios, arranjos adequados e sem exageros e letras tristes. Sombra, luz, sombra; Leslie Feist sabe adequar seu alcance vocal e sua intuição para esse objetivo. Graveyard é mais homogênea, mas igualmente bem construída e bela. How Come You Never Go There traz a insatisfação com a covardia nas relações humanas e sinaliza para um momento mais animado ritmicamente do álbum: a música seguinte, The Circle Married The Lines, traz violinos tensos, quebra com coral gritando "A Commotion!" e refrão pegajoso. Nenhuma surpresa que a grandiosidade seja deixada de lado em Bittersweet Melodies, uma simples, low key canção levada por poucos e esparsos elementos: esse é um disco de introspecção não forçada. Anti-Pioneer, de trôpega levada waitsiana é um dos destaques da parte final de Metals. Cicadas And Gulls é só folk mesmo, mas não um arremedo Starbucks-style, mais para aquele esquelético instrumental que te carrega pra dentro das letras e do vocal do artista. A quietude fecha com Comfort Me - Feist despida e crua e Get It Wrong, Get It Right, balada cristalina e efetiva.
A menina fofa do indie está mais pra aquela que se esgueirava no underground de Calgary com sua banda adolescente Placebo (não aquela do Brian Molko) ou a "Bitch Lap Lap" da Peaches. De uma maneira adequada: seu senso de pop bem trabalhado permanece, mas com um coração sujo por dentro. 8/10