No último dia 11 de janeiro a edição online da revista americana Spin
publicou um artigo explicando uma das mudanças provocadas pela movimentação de profissionais ligados à editoria. A tradicional revista em papel passará a ser bimestral, e a conjugação das mídias digitais trará alterações no site e no app para Ipad, sob o comando da editora-chefe Caryn Ganz. Mas o que mais chamou a atenção foi a criação do
perfil exclusivo para reviews no Twitter: a decisão foi basear resenhas dentro das limitações de carateres do microblog, expandindo a base de discos resenhados para um mil e quinhentos por ano. A intenção é cobrir com mais agilidade, permitir maior interação com o público e abranger desde lançamentos no Bandcamp à mixtapes fresquinhas na web. As resenhas tradicionais cairão para vinte ao mês, dedicadas apenas aos lançamentos considerados "essenciais". Entre os motivos explicados no texto, há uma admissão de que o peso da crítica musical é bem menor nos dias atuais. Ou, como consequência de uma geração que possui acesso simultâneo aos lançamentos e parece se importar menos com o que jornalistas especializados tem a dizer, a sobrevivência da publicação passa a ser acompanhar o ritmo veloz e assumir dois pontos primordiais: apesar dos esforços da indústria, o consumidor de música gasta (tempo e dinheiro) apenas naquilo que realmente se apega, o que ocorre inevitavelmente após a audição ilegal da obra; a molecada que cresceu compartilhando muitas vezes conhece mais bandas do que especialistas que, por questão de gosto definido ou falta de tempo, acabam não conseguindo acompanhar o ritmo de lançamentos anuais no calendário musical.
Entretanto, a decisão da revista (que perdeu há muito seu poder de relevância exercido principalmente nos anos noventa) suscitou discussões ainda mais amplas lá fora e por aqui também. Há uma resistência de alguns jornalistas, tanto "old school" como mais novos em admitir a perda do status de guia, guru, luz que direciona e filtra tendências. O argumento principal é que a internet é recheada de opinião, geralmente vazia e sem embasamento, e que o excesso de informação não necessariamente supre o papel da crítica em instigar reações e promover o avanço. A opção de limitar ao máximo o espaço para análise também foi vista como um exemplo de oportunismo, desespero e, em última instância, perda do poder argumentativo, nivelando por baixo o nível das resenhas.
Uma das ironias desse debate é que a base de toda a discussão se baseia na livre (por enquanto) transmissão de dados proporcionada pela internet. Há música para download de todos os tipos, pra todos os gostos e curiosidades, assim como textos e livros sobre música pop espalhados. O que poderia espelhar diversidade de opiniões acaba sendo tratado com um divisionismo reducionista. A crítica morreu ou está viva e altiva? Velha mídia ou nova mídia? Não há espaço para inserção de poréns entre as trincheiras articuladas. Algumas podem ser citadas: o papel centralizador do especialista já era e não volta mais, simplesmente porque uma geração inteira - e outras ainda por vir - não faz noção do que é esperar pelo dia de chegada de um disco às lojas, muito menos de observar jornalistas com a exclusividade da audição antecipada. Também não sabem como mostrar um som maneiro pra muitas pessoas era tarefa hercúlea de gravar fitas individuais ou reunir a galera. Acesso, comunicação, rapidez, absorção: o oposto do que gente como eu viveu no período jurássico pré- Napster. A gurizada fuça seus sons e compartilha; alguns vão se sentir impelidos a ler a respeito, e criarão algum tipo de relação com a música, e com os que escrevem sobre ela. Dessa equação poderemos obter diversos resultados: um fã cada vez mais bem informado e interessado, um sujeito que adora dar opinião sem qualquer interesse real ou um acrítico downloader de qualquer coisa que um amigo indique. Todos eles podem montar bandas, e por aí vai o caminho complexo que temos de compreender. A crítica em si não morreu, mas precisa se adaptar a um público como esse, que é sim capaz de questionar quando se sentir enganado. A maneira como o jornalismo sofre para entender esses parâmetros, porém, é indicador de que não anda tão bem assim. Velha mídia e nova mídia muitas vezes se fundem, porque os velhos tentam sobreviver (caso aqui levantado) e os novos muitas vezes não soam tão novos assim: há blogs que apenas regurgitam padrões antigos embora seus donos sejam parte desse público jovem e supostamente mais bem armado e antenado. Há exceções, é claro, e é a partir dessas experiências que podemos começar a vislumbrar o papel da disseminação de informação crítica nesse período.
Outro ponto a ser considerado é o elevado risco em se fazer previsões no ambiente atual: as mudanças estão ainda sendo digeridas e é possível notar um interesse maior de um público global por música periférica. O que antes era apenas exótico começa aos poucos a ser visto como extensão natural da absorção constante de influências diversas - a molecada do parágrafo acima que monta bandas - aliado ao avanço da tecnologia de softwares de produção caseira acessível. A forma como os que consomem música enxergam a crítica muitas vezes passa pelo fato de que suas bandas novas prediletas são ignoradas (ou não) pela mídia.
Brasil
Aqui no Brasil, além do que já foi dito acima, é necessário que se faça um adendo: sendo filhote de uma realidade periférica, nosso jornalismo de música cresceu se abastecendo com as parcas informações de revistas gringas e discos importados: um hábito caro e restrito a uma classe média que se acostumou a enxergar uma crescente distância do seu suposto conhecimento com a do público a quem se dirigia: mais do que informar, a tendência era ser professoral, no sentido menos agradável da palavra: sem se preocupar com contextualizações, muitos textos eram contundentes e "definitivos": polemistas sem a função primordial, deterioravam análises que poderiam ser úteis. Claro que havia exceções, mas eram assim: exceções, não a regra.
O cenário atual trouxe maior independência para o público: com melhores condições sociais, o acesso a uma lan house, a um celular com bluetooth e MP3 significou para muitos a chance de trocar informações sobre artistas e shows. O crescimento exponencial do rap nacional, por exemplo, não pode ser explicado apenas por esse aspecto, mas a organização dos envolvidos com o gênero passou pelas facilidades proporcionadas pela internet, seja na divulgação como na produção, e isso trouxe - e continua trazendo - um nível de qualidade artística ("sem espaço pra quem não corre") e um fortalecimento entre fãs e artistas. Contribuição da crítica? Se hoje caras como Criolo e Emicida abriram as portas de cadernos culturais, programas de TV e publicações maiores para outros nomes do rap, o processo de ebulição não foi acompanhado por esse meios. O jornalismo especializado está trazendo destaque ao final de um processo cujo aflorecimento foi quase que totalmente ignorado: poderia haver uma chance de recuperar o tempo perdido se as matérias atuais se baseassem em pesquisas e interesse real, mas o grosso do trabalho dos repórteres traz análises miúdas e preconceituosas, sem contexto e informação. De fato, a base do opinionismo de boy ou patizinha das redações está lá atrás, na nossa formação capenga de cagadores de regra disfarçados de estrelas da erudição e do bom gosto.Os poucos que se aventuraram a cobrir a efervescência criativa dos MC's, beatmakers e produtores de forma correta foram publicações de caráter independente. Me parece que o efeito foi mais de dentro pra fora, uma vez que as conversas travadas entre os jornalistas independentes e rappers transcendiam as pautas de reportagens; era o caso de mostrar novos sons e trocar ideia nos bares, como entusiastas fazem. E nesse momento é que existe espaço para a molecada que ajudou a levantar a febre do rap, mas que pode estar presente em outros gêneros, se colocar através da rede com textos e reportagens. O cara que vai a shows (e não a eventos), lê livros por gosto e ama música - o nerd primordial - pode se livrar das picaretagens e ser relevante. Resta saber se as editorias estarão dispostas a recebê-los ou se terão de garimpar o universo dos nanicos.
Não cresci lendo resenhas de 140 caracteres e portanto elas me parecem incompletas e vazias. Mas se houver uma interação maior entre aqueles que as escrevem e os leitores através de replies, talvez tenhamos uma visão mais adequada e equilibrada. Ou talvez seja só desespero de mercado editorial. A iniciativa da Spin ainda não pode ser analisada com a amplitude necessária. O fato é que vivemos em um tempo que parece exagerado, amplo e muitas vezes exaustivo pra quem vive de música, dos dois lados da moeda. Mas é justamente a recompensa proporcionada, a humildade da busca e o contato com o público que podem formatar o novo papel da crítica.A distensão entre crítica e leitores é tanta que se esquece o básico: Uma resenha não é importante porque foi publicada. É importante se significar algo pra quem a lê.