domingo, 24 de julho de 2016

A Julien Baker fez um cover do Jawbreaker ao piano


A cantora estadunidense Julien Baker lançou um dos bons discos de 2015, o Sprained Ankle. Armada de uma guitarra (às vezes um piano) e voz, a garota cria cenários melódicos envolventes, e, apesar do minimalismo dos arranjos, consegue tecer uma ambientação profunda e melancólica. Em recente show em Bruxelas, ela mandou benzaço na versão de Accident Prone, clássico de 1995 (curiosamente o mesmo ano de nascimento da compositora) do trio emo-punk Jawbreaker. Uma canção triste embalada por guitarras que ganhou nova moldura nas mãos da Julien, de escorrer uma lagriminha até. Assista:

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Marcello Gugu e o leque temático no rap brasileiro




A abertura do leque estético no rap brasileiro é um lado positivo que estamos vivenciando nos últimos anos. Musicalmente, há variedade na matriz de paletas. É só lembrar como a mixtape Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência do Costa a Costa parecia um oásis na época de seu lançamento; para além da qualidade das composições, havia um respiro criativo na abordagem das bases. De lá pra cá, a produção se qualificou e temos hoje artistas cujo corpo melódico se distingue claramente. Embora possa haver influência comum, a maneira de compor de Rodrigo Ogi, Emicida, Criolo, Don L, Jamés Ventura, Chave Mestra, Tribo da Periferia Kamau, Rashid, Lay e NiLL, por exemplo, resulta em algo distinguível. Fica uma pergunta, porém: Estamos exaltando o talento individual de determinados nomes ou uma saudável capilaridade? Digo, a diversidade está em certos indivíduos ou há real liberdade criativa? Evidente que tal diversificação também gerou uma liberdade que resulta, em certos momentos, em músicas irregulares e que evidenciam certa inabilidade: nem todos podem cantar como Ogi ou podem se aproximar do samba ou da MPB com naturalidade ou mesmo sabem usar o autotune. Forçar isso é um erro que vemos por aí. 

Mas a análise aqui se volta para outro aspecto: os temas abordados nas letras. Também vale ressaltar que já a algum tempo a dicotomia polícia versus bandido se expandiu para diversos assuntos, de crônicas urbanas a afirmações feministas, de papo largado a elucubrações sociais, passando também (e infelizmente) ao dogmatismo da autoajuda. Mas há temas pouco abordados ainda. Por esse motivo, o novo som do Marcello Gugu, New Orleans, joga um novo dado nesse caldeirão da diversidade. Não é a primeira vez que a doença mental é tratada no rap, mas a música talvez seja o mais bem acabado retrato das agruras da síndrome do pânico, da depressão e da ansiedade em formato de rimas. Se as estatísticas mostram que são muitos os brasileiros (e, em especial os paulistanos) vítimas dessas doenças, então porque não são muitas as canções sobre o assunto? Claro, identificamos sombras quando ouvimos o Ogi vaguear pela cidade ou quando o Emicida retorna à infância ou quando o Eduardo Facção relata sangue. Talvez a própria forma com que a sociedade encara a depressão, como algo que sugere fraqueza, esteja relacionado a isso. Não é fácil admitir ser portador dessa enfermidade em uma sociedade faminta por produtividade e alimentada pelo narcisismo. Fica ainda mais importante ouvir New Orleans.

Estruturada para que os versos se encaixem entre intervenções de dois vocais femininos, a canção abre com Srta Paola (que também canta a ponte) e tem Vanessa Jackson nos refrãos. Gugu explicou  que os trechos da Srta Paola representam a crise falando, e o refrão é a mente do rapper se comunicando durante a crise. A representação de uma crise psíquica e emocional como uma sedutora proposição ("Eu te prometo sorrisos/Férias na Disney/Uma casa na praia com vista pro mar") mas com uma contraproposta amarga ("Que eu quero ser teu enjôo, palpitação, um aperto no peito/músculos em tensão) é construída com ótimo jogo de palavras, além de ser uma visão bastante pertinente quanto ao mix volátil de emoções que percorrem a cabeça de quem sofre do mal. A exposição do caos mental segue nos versos de Gugu ("No meu peito se aninha/uma fratura no externo/Em segundos a santa ceia/vira um drink no inferno") que permanece sendo um dos mais hábeis MCs na arte sinuosa de obter imagens impactantes como acessórios do arcabouço temático. Veja as citações político-sociais que exemplificam Porto Príncipe, New Orleans, Síria e França, sem perder o foco no tema principal na primeira parte da música. Gugu admite através do refrão que sua mente está em conflito ("To pra ser teu problema/Não sou tua paixão/To pra te bagunçar/tirar seu chão").

A constante curva ascendente da diversidade estética e temática no rap brasileiro ganha assim mais um capítulo. Ao demonstrar que aqueles que criam rimas também são vulneráveis sem apelar para os famosos passos dogmáticos FFF, Gugu se torna uma voz para muitas pessoas que lutam diuturnamente contra aflições mentais. Ao mesmo tempo, mostra que não há barreiras temáticas dentro da música, e que o hip hop pode e deve ser tão multifacetado quanto as lutas que lutamos dignamente.     
    

quinta-feira, 7 de julho de 2016

O Yung Buda revela seu modo de vida incomum em seu EP de estreia




Só quem é de lá sabe o que não acontece. O interior de São Paulo pode ser um lugar inóspito, com seus motoristas de SUVs que não dão seta, aproximadamente zero opções culturais que não envolvam bandas cover de rock ruim ou dublês de Jorge Vercilo e outras tretas. Mas desse caldeirão do inferno do tédio pode sair coisa boa: durante anos o Sem Modos mostrou como beber vinho barato e ficar largado pela cidade com um baseado na mão poderia ser bom. Pena que a banda de Jundiaí se desfez, mas da dissolução vão surgindo nomes que mostram caminhos diversos e sagazes. Além do Julian e do Nill que saíram solo, o coletivo formado pela Sound Food Gang vai apresentando seu leque: a bola da vez é o Yung Buda, que produz e compõe seus sons levados por rimas em inglês, português e japonês.

Aliás, me parece que o coletivo rueiro ocupa o espaço de resistência criativa na cidade colada na capital, algo que nos anos noventa era de bandas de rock alternativo. Se o Nill pega o espírito vileiro e desconstrói temas como o racismo com humor, Yung Buda cria um ambiente mais sombrio no seu ep de estreia, Yamaarashi: em meio a letras que traduzem o cenário urbano e destilam sexo, estranhamento e violência, Buda vai distribuindo beats trap, vapor eletrônico e orientalismos. É algo que remete a literatura de Hitomi Kanehara, Enter The Void, bares sujos e fumaça. Vai ouvindo aí que embaixo rola um papo com o MC:




Conta um pouco sobre como você começou na música.

Comecei em um momento da minha vida que senti necessidade de expurgar minha angústia e expressar um modo de vida incomum que é minha realidade.

Rimar em outras línguas não é muito comum no rap nacional, pra você é algo mais natural?

Pra mim é natural. Sempre procurei aprender sobre outras culturas, só estou mimetizando flores.

O estilo de produção me soa bem climático, as vezes até cinematográfico, quais são suas inspirações?

Eu sempre gostei dos filmes do Tarantino. É como sinestesia. Escuto tudo que vejo.

E a galera da Sound Food, como é fazer parte? Como vocês se organizam?

Tem sido uma experiência muito boa. A gente tem convivido e aprendemos muito um com o outro. Delegamos funções e todos se cobram disso.

Quais os planos para o futuro?

Daqui pra frente eu pretendo soltar muitos álbuns. Acho que tenho muita coisa pra mostrar ainda. Tem um clipe que tá pra sair e já outros gravados. Também planejamos fazer um festival de música.

Baixe o disco aqui.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Entrevista: Rodrigo Ogi




Pra nós é muito importante conhecer bem nossos artistas prediletos. Não poderíamos deixar passar a chance de trocar uma ideia com o autor do clássico Crônicas da Cidade Cinza (disco do ano em 2011) e do melhor trabalho de 2015, o sucessor Rá. Nessa entrevista especial, Rodrigo Ogi disseca seu modus operandi, como a pichação o livrou do crime, planos para o próximo disco e muito mais.

Como foi o processo de composição do Rá? Porque no Crônicas rolava a questão da cidade como cenário principal das estórias, era o eixo central da coisa. O Rá também segue esse fluxo?

Eu acho que no Crônicas isso fica marcado por causa do título do disco. O título realça isso. Mas as letras falam mais das pessoas e abrange muito mais. Mas foi um disco onde os fatos aconteciam em São Paulo, desde a capa até as letras, o título. No Rá eu expandi. Quis conversar com mais pessoas, não que São Paulo não seja gigante e que isso não seja possível. Mas eu tentei ter a visão não só de quem vive aqui. Levei aproximadamente 2 anos fazendo o disco.

E as colaborações. Tem gente de fora do rap colaborando. Como rolaram as ideias?

Fora do rap eu convidei a Juçara Marçal pra um refrão, convidei o Mao do Garotos Podres pra outro refrão e outra faixa, o Kiko Dinucci colaborou com alguns arranjos, o Thiago França, o Doni Jr que é o cara que toca instrumento de corda na banda do Emicida, o Carlos Café que é o percussionista também colaborou...o Ganjaman, o Rael fez um refrão, só que o Rael já é um cara que é do rap, em cima do que o Nave tinha mais ou menos criado. Algumas músicas eu fiz do zero mesmo, sem beat, rimando só em um bumbo e caixa. Eu mandava pro Nave ele dava um arranjo, depois a gente melhorava algumas coisas com os caras tocando um instrumento.

Falando no Nave. Você já tinha a ideia de chamar ele pra produzir esse trampo?Porque?

O Nave eu já conheço ele faz um bom tempo, acho que uns 14 anos mais ou menos. A gente se conheceu por volta de 2001, 2002. E a gente sempre teve um gosto de rap parecido. Aquele rap dos anos 90, puxado pra Nova Iorque. E ele entendeu o que eu queria fazer, a textura que eu queria dar pra esse disco e eu sempre tive vontade de trabalhar com ele, fazendo um disco solo assim. Antes ele só tinha colaborado comigo cedendo alguns beats, no Crônicas tem beat dele, na época do Contra Fluxo também. Mas nunca tinha feito nada sozinho com ele. Daí dessa vez graças a Deus calhou de fazer esse disco. E o processo foi bem bacana porque a gente se entende nas ideias, musicalmente e como amigo também, devido a gente se conhecer faz muito tempo e se dar bem. Daí rolou natural e daqui pra frente vamos continuar trabalhando junto.

O picho tem a ver com audácia, auto afirmação, adrenalina. Eu vejo que um MC também tem que ter coragem pra espalhar suas ideias, subir num palco e afirmar suas convicções. Existe um paralelo aí ou eu to viajando?

Sim, existe muito até. Pichação é uma coisa que...o cara que não tem nada, ele precisa mostrar que ele é alguém, que ele existe pra sociedade. Pichação foi uma coisa que me livrou do crime. Mesmo sendo uma coisa ilegal, me livrou de ter caído pra outro tipo de crime. No meu bairro ali onde eu fui criado os caras gostavam de roubar ou usar droga, era essa pegada que os caras se destacavam. E eu jogando bola. A pichação apareceu pra mim e como eu não tinha aptidão pra roubar nem pra me drogar, eu não curtia isso, a pichação foi o que me fez colocar pra fora aquela ânsia que a gente tem de querer que a sociedade enxergue a gente ali. E tem muito a ver com essa coisa de disseminar ideia que o rap passa também. Que a música passa, não só o rap. Tem muito a ver com essa coisa de competição também, de ser mais técnico, que tem a ver com a ideia dos MCs.

Sua música pega tanto na levada como na melodia. Você canta bem. Algumas canções tem umas entonações que parecem difíceis. Tem alguma inspiração específica entre cantores?

Inspiração eu tenho várias no dia a dia, assim que eu vou escutando coisas. Em casa sempre teve muita música, no rádio. Tem tia minha que já foi cantora, minha mãe cantava em casa muito, eu escutava muita música em casa e daí eu comecei a ter essa facilidade. Quando eu era mais novo eu já fazia várias paródias em cima das melodias das músicas e criava algumas coisas até, sabe, com outras melodias minhas mesmo. E isso foi o que me moldou pra poder chegar nesse estágio. Além de ser muito pesquisador dessa coisa de métricas e terminações, de ser nerd mesmo de música. Então isso que faz a coisa ficar desse jeito.

O Rá tem um apanhado de climas: ora é descontraído e leve (Hahaha), ora melancólico e saudosista (Correspondente de Guerra, Virou Canção). Foi planejada essa alternância entre luz e escuridão?

 Sim, isso eu também vejo no Crônicas, essa alternância. Além de eu gostar de vários estilos de música, eu gosto do samba e gosto de escutar uma música  mais melancólica, por exemplo. As coisas na vida também são assim, tem dias que você tá melhor e tem dias que tá mais pra baixo. Foi uma coisa que fluiu naturalmente, e acabou dando esse equilíbrio, com faixas mais leves e outras mais reflexivas, mais pesadas. Isso é uma coisa que eu também me preocupei em colocar no disco, pra não ficar uma coisa só, ou muito pra cima ou muito down. 

Você já disse que encontra inspiração em conversa de boteco, observando as pessoas. Dessa forma, viver em São Paulo é fundamental pra suas músicas tomarem forma? Quero dizer, os personagens são o que são porque são tipos urbanos paulistanos?

Sim. Eu sou nascido e criado aqui, conheço São Paulo de ponta a ponta. Até hoje eu pego ônibus e fico analisando as pessoas e reparando na cidade da janela. Se eu fosse, por exemplo, do sertão eu ia escrever sobre aquilo também. Mas eu tento cada vez mais expandir esse pensamento pra poder pegar além de quem tá aqui, de caracterizar além de quem tá aqui, caracterizar também outras pessoas, outros personagens, em cima de outras vidas.

Então rola uma mescla de realidade e criação livre...

Muito. Livro, filme e o que vivo. Misturo tudo.

O disco parece ser um trabalho bem meticuloso, da construção lírica à produção; Você é perfeccionista, do tipo que reescreve até achar o melhor tom, a melhor palavra, o melhor som?

Sim. Eu escrevo às vezes oito barras e to satisfeito com essas oito, mas nas próximas oito eu tento trabalhar bem pra que tudo case. E isso acaba demorando mais porque eu escrevo algumas linhas aí paro pra não ficar forçando. Não que eu não pratique, porque eu acho que se você não pratica você enferruja mas forçar também não. Então eu acabo demorando mais pra concluir as letras. E nisso eu sou meticuloso mesmo, eu tento dar uma textura pro disco, quero que ele converse entre si, não seja um som de cada jeito e que não tenha nenhuma ligação. E nessa coisa da produção o Nave soube captar o que eu queria e começou a entender as letras também, pra que a coisa ficasse uniforme.

Você se lembra qual foi o primeiro disco de rap que te impactou?

Holocausto Urbano, dos Racionais.

Foi aí que você quis criar suas próprias rimas?

Não. Comecei depois, por volta de 93, 94, mas parei em 96. E só voltei a escrever em 2002. Passei esse tempo consumindo rap americano.

Dessa safra aí anos 90 de rap gringo, quais nomes você ouviu muito?

B.I.G., Nas, Fugees, House of Pain, Cypress, Hieroglyphics...muita coisa.

Você botou no ar recentemente uma beat tape. É um lance que você vai investir?

Não. Sempre gostei de brincar fazendo beats, mas nunca me dediquei muito. Esse ano passei a fazer alguns por dia e resolvi soltar na internet.Sem compromisso, sem mixar. Fazer beat é uma terapia pra mim.

Que equipo você usa pra fazer os beats?

Um PC. Já tive controlador mas passei pra frente. Uso Fruity Loops no PC , mas em breve pegarei um teclado.

Tem alguns sons novos que você lançou (ouça abaixo). Não tem nem um ano do Rá, mas você já pensa no próximo disco? E você disse que pretende continuar trampando com o Nave, é isso?

Sim, sim. Eu todo dia to tentando criar alguma coisa. E eu já estou pensando no meu próximo disco, na textura, no estilo de beat que eu vou querer apresentar. E tem muita coisa que eu crio no dia a dia que acaba ficando de lado, acabo não usando e tem muita coisa que eu criei muito tempo atrás e acabo usando mais pra frente ou então no disco. Eu vou separando as melhores, as que me agradam mais pra colocar no disco ou pra quem sabe soltar na internet mesmo. Quero soltar um outro disco no ano que vem, quando o Rá completar dois anos. Vai fazer um ano agora em outubro e quando tiver próximo aos dois anos eu solto o outro.