Uma das percepções mais claras sobre o rap nacional é que certos modelos estéticos foram sendo desafiados nos últimos anos e isso resultou em variedade; não uma ruptura como erroneamente se propaga, mas uma absorção da influência da velha escola sem limitar as possibilidades do estilhaçamento de informações e de acesso aos mais diversos sons e equipamentos. Durante algum tempo, essa transformação foi perceptível apenas para os que acompanhavam a cena de perto, o que resultou no espanto de muitos quando alguns nomes passaram a ter visibilidade fora desse cenário. As análises sobre o rap no Brasil são conduzidas com mão pesada, fato que reflete o distanciamento da crítica - inclinada sobre um modelo indie-rock - com cenas que ela não acompanha e não compreende plenamente: há poucas citações ao trampo do Costa a Costa, por exemplo, quando se fala sobre "novo rap" embora o grupo de Fortaleza liderado por Don L. tenha um lugar importante nesse processo criativo de renovação. Daria pra enumerar diversos equívocos em textos recentes, mas não vamos perder tempo. A molecada que consome música é mais esperta, porque parece encarar com menos barreiras e dar pouca bola para especialistas, trazendo possibilidades de encontros de classes sociais distintas em shows do gênero já a alguns anos (a ideia de música como instrumento agregador, pouco reproduzida na prática); algo que se incorporou à cultura pop estadunidense muito antes, mas que enfrenta resistência em um país que concentra não apenas renda mas também o domínio do "bom gosto", uma derivação do conceito "gente do bem" encampada por conservadores país afora; para aceitar o sucesso dos novos MCs entre esse público, há uma convenção que conclui que os novatos (risos) pertencem a um lugar menos feio no imaginário. Se há diversão, não há crítica social; se há crítica social não há diversão.Não é só desinformação despejada, mas um desejo consciente de "adequar a realidade". Em outras palavras, desonestidade intelectual: Ok, toda a carreira dos Racionais foi feita de apresentações sorumbáticas/criminosas e o Emicida é um alienado que canta sobre minas do centro expandido que o adoram. Fechada a pauta. A sorte é que os mais jovens parecem nem ligar, querem mesmo é selecionar o que é bom com um pouco mais de independência. E é daí que surgirá a arte relevante.
Tudo isso pra falar sobre os novos beatmakers e MCs: a gurizada que vai lançando seus sons nos Soundclouds da vida e às vezes a gente demora pra conhecer; O Síntese é uma dupla de São José dos Campos, SP. Fiquei conhecendo graças aos tuítes do Kamau e do André Maleronka. O vídeo da canção 4:20 saiu faz pouco, mas o som já estava na promotape dos caras e disponível no Soundcloud da banda. O lance é um som sujo, simplão - no sentido de usar pouco mas de forma encaixada - letra decente, flow de primeira e curto como um hardcore. As outras músicas disponíveis para audição seguem esse formato rápido e agressivo, o que nos deixa com boa expectativa para Sem Cortesia, o primeiro álbum do duo a sair ainda esse ano.O Síntese é exemplo de quem está de ouvidos abertos e criando de forma orgânica, instintivamente entregando suas experiências sem se apegar em conceitos ultrapassados. E a repercussão gerada via blogs de hip-hop e redes sociais mostram que o público vai se formando, antes dos cadernos culturais descobrirem. São uns muleke zika. Vamos torcer pra continuarem explorando.
* O Síntese estará presente no evento marcado para o dia 12/02 em São José dos Campos, #Pinheirinho existe: para ajudar as crianças que sofreram com o abuso da desocupação, bandas de rap e hardcore (como o incrível Test) irão se apresentar e a entrada é um brinquedo em bom estado. Mais informações aqui.
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