
Jornalista brasileiro respondendo questão proposta pela Pitchfork
Inicialmente esse post seria sobre os melhores discos do ano até agora, aquela coisa que os blogs e revistas fazem pra chamar a atenção e gerar acessos. Mas eu desisti. Primeiro porque deu preguiça, mas o motivo verdadeiro reside não na falta de entusiasmo com a produção musical disponibilizada nos últimos seis meses; consigo citar pelo menos cinco discos, entre nacionais e gringos, que me fazem sorrir só de lembrar que eles existem. Praticamente clássicos instantâneos. Citá-los seria trair a premissa inicial (ou retomar a idéia primordial, já não me lembro). Fato: existe boa música e motivos pra curtir. Mas então porque, quando lemos o conteúdo entregue por aqueles que filtram e analisam a arte (os "especialistas", críticos, escribas, qualquer coisa) bate aquela sensação de desgosto? Vou tentar descobrir, dentro da minha mente, enquanto escrevo esse texto.
Primeiro: digamos que há concordância em relação ao estilhaçamento do pop atual: uma geração inteira teve acesso a uma enorme quantidade de música, e eles estão criando coisas que se posicionam entre décadas diferentes. Aparentemente, uma coisa boa: sem barreiras e preconceitos, poderíamos ouvir novos talentos com grandes coleções de discos em um único HD. Mas reside aí o primeiro fator de preocupação: vejamos, antes tínhamos que realizar as mais bizarras aventuras para descobrir sons feras, porque o acesso era limitado. Havia um processo de depuração, digamos, que levava o nosso cérebro para um crescente estado de curiosidade e inserção de novas informações. Agora a coisa é toda despejada de uma só vez: o moleque vai lá e vasculha a produção de hip-hop da costa oeste nos anos 90 de manhã, jazz latino dos anos 60 á tarde e o college rock noventista de noite. De madrugada, pega o laptop e a guitarra e começa a criar.
Acho que basicamente estamos falando de talento e esforço. Gente que possui enorme conhecimento musical pode ser incapaz de entregar uma nota sequer com inteligência, mas o contrário também é verdadeiro. Então não mudou nada em relação ao passado pré-internet? Mudou, sim: tribos musicais resistem pouco, e a música produzida atualmente chacoalha entre revivalismos diversos e tentativas de vanguardismo, mas até aí é consequência e reação. Contexto, amigos, é algo que cabe aos tais jornalistas. Está claro que esses caras estão confusos e atordoados, mas fingem ter o controle de todos os movimentos em curso.
Uma passagem rápida por blogs e jornais gringos permite a visualização de uma constante, insistente eulogia ao sub-gênero que chamam de chillwave. Não me importo com o que isso quer dizer, mas sou informado que o Twin Shadow e o Toro Y Moi praticam isso aí. Washed Out, Memory Tapes e outros nomes também aparecem. Embora enxergue diferenças de qualidade entre eles, acho que eles praticam o synth-pop. Só isso, sem reducionismos ou revoluções.
Outra vertente que ganhou atenção "branca" recentemente é o rap. Em primeiro lugar, o gênero sempre influenciou e vendeu muitos discos lá fora, mas para boa parcela de blogueiros e especialistas, há um novo estilo, que para eles parece mais rico e menos incompreensível. É como querer ter respeito de rua botando uma corrente em volta do pescoço. Ou fingir que o estilo, como qualquer outro do pop, não é sujeiro á desdobramentos naturais. Tratar como algo novíssimo uma banda como o Odd Future é desconhecer o passado. Não seria nenhum crime (a ignorância), não fosse esse eximível através do exercício puro e simples da pesquisa. Olha a preguiça aí de novo, dessa vez não a minha.
Também temos o rock, sempre precedido pelo termo "indie": esse nunca foi tão reverente aos anos 90. Quem nasceu na época é mais fascinado pela década do que quem já era grandinho. Um pouco previsível, essa coisa cíclica e tudo o mais. Quando não empunhando guitarras temos os admiradores do folk pastoral e da tradição do compositor torturado, ou gente que viaja nos caminhos da psicodelia mais antiga e garageira.
Pulverizado. A eletrônica e suas possibilidades. Revivalismos. Cruzamento de idéias. Conexões globais. Tudo muito recente, e cujo resultado verdadeiro só seremos capazes de definir, como um todo, daqui a algum tempo. Algo ignorado pelos sabichões, que não admitem a confluência e rejeitam o exercício da dúvida.
Aqui no Brasil a coisa fica pior. Primeiro porque os mesmos fenômenos estão ocorrendo: molecada ouve um montão de coisa, sai fazendo som, crítico fica confuso. Daí acha que o rap agora é factível, mas continua "fechado" com os gênios deprimentes da MPB; redefine a palavra "indie" como sinônimo de "gosto sofisticado"; mantém relação incestuosa com músicos (tudo bróder), gravadoras (ainda?) e adentram nesse mundo do empresariado do entretenimento. A bíblia desse povo continua sendo alguma coisa gringa, mas até aí, bem, eu comprava uma porrada de revista e coletava informação delas. Mas uma coisa é tomar como referência de informação, outra é enfiar tudo pra dentro (ui) sem pensar duas vezes. Mas hoje, francamente, pesquisar se tornou bem menos difícil.
Se você ainda está aí, já percebeu que esse texto é um anacronismo total: pretende analisar com mais cuidado a forma como a crítica se coloca diante do pop atual, dá o diagnóstico, é longo demais para o padrão internético e começou com a mesma preguiça que não move o jornalismo musical. Com esperança, termina de forma diferente.